João Carlos Marchesan*
Há, na prática, um consenso sobre o fato de o Brasil gastar muito acima de suas receitas e, principalmente, gastar mal, aí incluídos juros reais elevados. Isso se reflete num déficit primário que é coberto com a emissão de papéis, o que aumenta a relação dívida/PIB, até que o endividamento cresça a ponto de impedir o governo de investir, dificulte a rolagem da dívida, aumente os juros e se torne um óbice para o crescimento do país.
Essa tendência, que tem sido uma constante histórica, tem levado, sucessivamente, diversos governos a tentar limitar os gastos públicos através de leis específicas. Assim instituímos a regra de ouro, o superávit ou déficit primário constam no projeto de Lei Orçamentária Anual, a Lei de Responsabilidade Fiscal ameaça prender o governante que gastar mais do que o permitido… até que, em desespero de causa, o governo inscreveu na constituição o teto dos gastos como solução final para o problema.
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Mas, quando a lei fecha uma porta, encontra-se outra saída, diz um velho ditado italiano. O fato é que as boas intenções dos autores das leis e dos legisladores nem sempre resultam em boas soluções. Na prática, as restrições das leis anteriores acabaram sendo burladas, de um jeito ou de outro, e a regra do teto dos gastos, entendida como uma solução draconiana e definitiva, ameaça criar mais problemas dos que pretendia resolver.
De fato, essa lei ao exigir que o total da despesa pública permaneça constante em valores reais, ao longo dos próximos anos, torna a disputa pela fatia de cada uma das despesas do orçamento uma luta, onde as corporações e lobbies mais fortes aumentam suas fatias do bolo em detrimento dos setores ou interesses menos organizados. Em termos práticos, até agora quem perdeu espaço foram os investimentos e, em menor grau, as áreas de saúde e educação.
As boas intenções dos autores da lei eram utópicas, imaginando que, face ao crescimento vegetativo de certas despesas, como as da Previdência Social, os legisladores reduziriam os privilégios de alguns para manter ou até aumentar as despesas de interesse social como saúde, educação e transferências de renda. Entretanto, na prática, entre cortar aposentadorias integrais ou benefícios descabidos, ou cortar o SUS, é o SUS que irá pagar o pato.
PublicidadeHá uma sensação crescente de que a lei é inexequível, além de não ser defensável, num país pobre como o Brasil, congelar o montante dos gastos com a saúde, educação, segurança e demais serviços públicos, pelos próximos anos desconhecendo o crescimento da população e suas carências mais prementes. Assim é imperativo alterar a lei, apesar da chantagem do “mercado”, que recorre ao terror da insolvência e a outros espantalhos para manter o teto intocado.
Se, como é reconhecido, os principais problemas estão nos altos salários de parte do funcionalismo, em seus privilégios e penduricalhos, nas altas aposentadorias e pensões que recebem, seria mais lógico que fossem estabelecidos três tetos, para as despesas diretas e indiretas com pessoal ativo e inativo, de cada um dos três poderes. Isto limitaria a luta pela fatia do bolo “interna corporis” sem que fossem canibalizados os setores inorganizados da sociedade.
Para evitar que os funcionários com salários mais baixos acabassem por pagar a conta, deveria ser estabelecido um piso salarial, abaixo do qual não haveria cortes e/ou congelamentos. Nessas condições, os tetos iriam progressivamente garantir a redução progressiva do peso, nas contas públicas, dos salários elevados, aposentadorias, pensões, e dos benefícios dos escalões mais altos do Legislativo, Judiciário e Executivo.
Como governar não se resume a cortar despesas, seria conveniente aproveitar a mudança da lei para criar uma área de serviços, que pudesse utilizar os ganhos com a redução de despesas propiciados pelos três tetos, para criar um orçamento separado para os investimentos públicos em infraestrutura, em projetos de baixa viabilidade econômica mas de alto retorno social, e para organizar um sistema de renda mínima, que resgate os brasileiros da pobreza absoluta.
Para os mais conservadores e preocupados com o fiscal: se a economia pega no tranco, a arrecadação aparece e mitiga os gastos públicos. Vale lembrar que tem efeito multiplicador do gasto a relação da equação dívida/PIB, não porque a dívida é alta, mas sim, porque o PIB é baixo.
O Brasil precisa crescer, e só crescerá com investimentos. PRECISAMOS TRABALHAR NESSE SENTIDO.
*João Carlos Marchesan é administrador de empresas, empresário e presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
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