*Alessandro Vieira
A preocupação com a responsabilidade fiscal está na ordem do dia. No governo, parece se sobrepor a tudo — até mesmo à prioritária discussão sobre como evitar que a pandemia de covid-19 continue a fazer vítimas no Brasil. Talvez por isso o ministro da Economia, Paulo Guedes, esteja tão confuso. Só isso poderia explicar tão descabida reação à decisão do Senado de derrubar o veto presidencial à concessão de reajustes para os servidores públicos até 2021. Guedes classificou o voto da maioria do senadores de “crime contra o país”.
Em vez de adjetivar decisões de um outro Poder, o ministro da Economia deveria aproveitar a oportunidade para refletir sobre a relação entre Executivo e Legislativo. E entender que ela não pega “no tranco”, mas com razoabilidade, respeito e diálogo honesto. Sem distorcer os fatos. A decisão do Senado, como bem sabe Paulo Guedes, não concede aumentos ao funcionalismo e tampouco representa “um desastre” com impacto previsto de R$ 120 bilhões. O ministro precisa se ater aos fatos — e os fatos não permitem tais previsões catastróficas.
Leia também
O projeto restabelecido pelo Senado, que regulamentou o socorro financeiro a estados e municípios, não gera qualquer impacto fiscal, mas apenas mantém autonomia de governadores e prefeitos. Preserva sua prerrogativa de, com os respectivos legislativos, realizar concursos e conceder reajustes a determinadas carreiras — apenas àquelas que atuam diretamente na luta contra a covid-19 e seus efeitos.
> Veja como cada senador votou no veto ao congelamento de salário de servidores
Entrevistas alarmistas alimentam as redes sociais e a audiência fácil. Mas não servem para constranger o Parlamento. O acompanhamento dos trabalhos legislativos permite observar que os 42 senadores que decidiram reverter a decisão do presidente da República — cumprindo uma das prerrogativas do Congresso Nacional — compõem variado espectro de ideologias e atuações. São colegas reconhecidos pelo rigor ético e técnico, como Simone Tebet (MDB-MS), Antonio Anastasia (PSD-MG), Esperidião Amin (Progressistas-SC), Rodrigo Pacheco (DEM-MG), José Reguffe (Podemos-DF), Mara Gabrilli (PSDB-SP), Rodrigo Cunha (PSDB-AL) entre tantos outros. São senadores que não se submetem a um relacionamento com o governo que não seja pautado no respeito — principalmente ao país — e na responsabilidade.
PublicidadeInfelizmente, temos observado que o governo regride a um patamar de relacionamento com o Congresso, que já vimos em outros momentos, baseado nas indisfarçáveis trocas de cargos e promessas por votos, o velho e conhecido toma-lá-dá-cá. Como já foi fartamente documentado, inclusive na crônica político-policial, esse padrão não trouxe bons resultados. Está, ao contrário, na raiz da situação política em que o país se encontra hoje. Mas as promessas de renovação de práticas políticas que foram o mote da campanha eleitoral de 2018 não foram palavras ao vento para um grupo de congressistas. Por isso, o governo, que ao menos nas declarações assumiu o poder também com essa disposição, deveria rever sua conduta e modular os julgamentos ao Parlamento.
A pior forma de começar um debate é desqualificar o interlocutor. Especialmente no debate legislativo, quando os protagonistas são eleitos pelo voto popular. O atual Congresso já se provou reformista e não tem faltado ao país, como se viu na resposta ágil às necessidades impostas pela pandemia, com a aprovação de medidas essenciais — entre elas o auxílio emergencial aos mais pobres. O Executivo precisa mostrar estar à altura do momento difícil vivido pelo país. Os brasileiros exigem. O Parlamento exige.
*Alessandro Vieira é senador pelo Cidadania de Sergipe.