*Luciana Dytz
** Pedro Paulo Coelho
Muito se tem falado, nos últimos dias, sobre reduzir salários dos servidores públicos para ajudar a combater a epidemia do novo coronavírus (covid-19). Uma proposta está em discussão na Câmara dos Deputados, sob o argumento de que os servidores devem dar sua cota de sacrifício, a exemplo do que estão fazendo os trabalhadores do setor privado.
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A proposta é inconstitucional, injusta e não resolve o problema da epidemia.
É inconstitucional porque a Constituição consagra o princípio da irredutibilidade de vencimentos.
É injusta porque os servidores públicos seguem trabalhando e cumprindo seu papel de atender aos cidadãos, mesmo que alguns estejam em regime de trabalho à distância, escala ou plantão.
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PublicidadeMas, e esta talvez seja a pior parte, a proposta não resolve o problema. Nas estimativas que circulam pelas grandes redes sociais, o corte de salários dos servidores resultaria numa economia de R$ 3 bilhões ao longo dos próximos 12 meses. Nem de longe impacta na necessidade de injeção financeira de que o país precisa neste momento de crise. Estamos falando de uma necessidade de recursos que podem chegar a mais de R$ 300 bilhões, segundo cálculos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Esta proposta de cortar salários, por onde quer que seja analisada, gera angústia entre quem está cumprindo seu dever diligentemente. É uma tentativa de populismo para opor trabalhadores do serviço público e do setor privado, num momento em que o Brasil precisa de união.
O país precisa de soluções que protejam os trabalhadores, contra os impactos nefastos desta pandemia. Para vulnerabilizar os trabalhadores brasileiros, já bastam o novo coronavírus e todos os velhos males que acometem o Brasil há muito mais tempo.
Ao lado das lições de solidariedade que estão se multiplicando mundo afora, esta pandemia está mostrando que o mercado é uma ferramenta insuficiente e frágil para auxiliar os cidadãos em caso de crise. O discurso de menos estado e mais iniciativa privada derreteu perante um inimigo invisível, microscópico, que já contagiou mais de 3 mil pessoas no Brasil e provocou, até o balanço da tarde do dia 26 de março, 77 mortes. Na hora da dificuldade, todos os brasileiros estão se dando conta de como é importante dispormos de um serviço público bem estruturado. Os que estão sempre entre as populações mais vulneráveis já sabem disso desde que nascem…
O Brasil é o único país do mundo em que, ao invés da injeção de recursos para reativar a economia, propõe-se a redução de vencimentos e mais precarização dos trabalhadores.
Cortar salário vai ampliar ainda mais a recessão econômica que se avizinha, ao retirar poder de compra de parte da população. E isso numa conjuntura que já era de crescimento pífio da economia brasileira e perda de renda dos trabalhadores por vários anos. Estados como o Distrito Federal e Rio de Janeiro, por exemplo, que têm um grande contingente de servidores, veriam suas economias definharem ainda mais do que as perspectivas já projetadas atualmente.
Mais do que a questão monetária em si, estamos falando da autoestima de uma parcela importante da população que segue dando sua cota de sacrifício para ajudar o país nesta árdua travessia. Essa proposta de cortar salários dos servidores geraria uma instabilidade social e aumentaria o já insuportável nível de estresse da população.
No caso dos defensores públicos, por exemplo, estamos falando de servidores que estão se desdobrando para atender pessoas em situação de rua, os detentos, os imigrantes, os idosos, as mulheres vítimas de violência doméstica, os consumidores em geral e outras parcelas da população hipossuficiente, já tão abandonada e maltratada em nosso país mesmo em momentos de bonança econômica.
Neste momento, então, em que um novo e perigoso vírus vem se juntar a todas as necessidades que infligem essas populações mais vulneráveis, urge a necessidade do fortalecimento do acesso ao serviço público no país.
Se não resolve, se é injusto, se está na contramão de outros países, a pergunta que fica é: por que, ao invés de cortar o salário dos servidores, não buscamos outras alternativas mais justas e eficazes?
*Luciana Dytz é presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef)
** Pedro Paulo Coelho é presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep)
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