*Jilmar Tatto
O atropelamento do ator Kayky Brito jogou luz ao debate sobre a redução dos limites de velocidade no trânsito e o impacto que isso pode ter na sociedade. Pessoas públicas, quando vítimas de uma tragédia, têm esse poder de causar comoção e chamar atenção para um assunto, mas não podemos esquecer que, no Brasil, temos um trânsito violento que mata dezenas milhares de pessoas todos os anos.
De acordo com dados consolidados pelo Ministério da Saúde, em 2021, 33.813 pessoas morreram em consequência de acidentes no trânsito. Em relação ao ano anterior, houve um aumento de 3,4%, quando foram registrados 32.716 óbitos pelas mesmas causas. Desse total, motociclistas são o grupo que mais perderam a vida em acidentes, com 11.942 mortes; ocupantes de automóveis vêm na sequência, com 7286 óbitos; pedestres (5.349); e bicicletas (1381).
Para combater esses números, é preciso lançar mão de um rol de políticas públicas que visem educar usuários de vias, sejam eles motorizados ou não; punir infratores e diminuir as situações de risco, como por exemplo, reduzindo a velocidade média das vias urbanas.
O exemplo de São Paulo
Em julho de 2015, quando Secretário Municipal de Transportes de São Paulo, na gestão de Fernando Haddad, reduzi substancialmente a velocidade nas principais vias da cidade. Nas vias expressas das marginais Tietê e Pinheiros, por exemplo, a velocidade máxima foi diminuída de 90 km/h para 70 km/h. Em uma cidade tão “carrocentrista” como a capital paulista, a reação foi imediata com uma enxurrada de críticas. Porém os resultados positivos vieram logo. Em apenas 3 meses, o número de acidentes com vítimas caiu 36% nessas vias.
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Lamentavelmente, essa política não teve o devido tempo de maturação, e foi descaracterizada pelo sucessor de Haddad, João Doria, que foi eleito sob infeliz slogan de “Acelera São Paulo”, ignorando o fato de que São Paulo se locomovia na velocidade correta, protegendo ao máximo a vida das pessoas.
PublicidadeÉ preciso lembrar também que São Paulo tem a capacidade de pautar a implementação de políticas públicas em outras localidades e, ao abandonar essa medida de segurança no trânsito, é possível afirmar que nos atrasamos no debate que se faz urgente: reduzir a velocidade média nas vias.
Além da questão evidente da preservação da vida e saúde, a redução de velocidade impacta também em questões menos evidentes, como cirurgias ortopédicas eletivas do SUS. Milhares de pacientes de ortopedia deixam de ser atendidos por conta de emergências provenientes de acidentes no trânsito, por exemplo.
PL 2789
Em 2023, na condição de deputado federal, fui procurado pelas ONGs Ciclocidade e União dos Ciclistas do Brasil para discutir uma legislação que altere o limite de velocidade nas vias rurais e urbanas, com o objetivo de dar mais segurança aos grupos mais vulneráveis: ciclistas e pedestres. Abracei a causa na hora, pois, como gestor público, sei do impacto positivo que essa ação proporciona e apresentei o PL 2789/2023, em coautoria com deputadas e deputados de diferentes colorações partidárias.
O trabalho agora é tramitar o PL nas comissões pertinentes, fazendo uma discussão pública e honesta sobre a temática. Além de evitar o maior número possível de mortes no trânsito, nosso objetivo é construir uma cultura do trânsito enquanto um espaço coletivo, em que todos são responsáveis pela segurança uns dos outros.
*Jilmar Tatto é Deputado Federal (PT-SP), ex-secretário municipal de Transporte de São Paulo nas gestões de Marta Suplicy e Fernando Haddad