Gutemberg Fialho*
Autoridades sanitárias do Distrito Federal e de outras unidades da Federação estão incorrendo em um erro estratégico grave ao deixar de vacinar todos os trabalhadores da saúde contra a covid-19. Além dos recursos materiais, os recursos humanos também são limitados e já começaram a faltar diante do avanço da pandemia. Até agora foram vacinados os que estão no enfrentamento direto à emergência sanitária. A maioria não tem nem previsão para isso.
No DF, já se sente o esgotamento das equipes e a necessidade de mais profissionais para o enfrentamento à pandemia. Estão sendo anunciadas medidas como expansão da carga horária de servidores da saúde; suspensão de procedimentos eletivos com redestinação de pelo menos parte da carga horária dos profissionais para o atendimento nas emergências; e até chamamento para contratação temporária de médicos aposentados.
Via de regra, quem está aposentado tem idade avançada ou é portador de doença grave. Ou seja, pertence aos grupos de risco. Se for trabalhar em um hospital, há grande probabilidade de que vá ficar por ali disputando leito com o resto da população.
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Análise divulgada em janeiro pela Rede de Pesquisa Solidária, que reúne pesquisadores de instituições como a USP e a Fiocruz, indica a necessidade de, além de imunizar os trabalhadores que atuam no front da covid-19, vacinar todos os que trabalham em consultórios médicos, clínicas, laboratórios, serviços de reabilitação, centros de diálise, hemocentros, ambulâncias e unidades móveis, além dos profissionais recrutados para postos ampliados de vacinação.
Essa pesquisa aponta que especialmente no atual quadro de escassez de vacinas é, de fato, necessário observar a hierarquização de riscos para estabelecer cronogramas e escalas de vacinação, mas que os profissionais de saúde não podem ser preteridos.
PublicidadeO risco de incorrer nesse erro é faltarem os profissionais necessários para expandir a capacidade de assistência à população – um apagão assistencial. Relatos de falta de profissionais são notícia nos estados do Norte e Nordeste e também em grandes capitais brasileiras, como Belo Horizonte, na Região Sudeste, que concentra maior número de médicos.
O avanço da pandemia pode chegar ao ponto de os governos fazerem valer o que prevê o inciso VII da Lei 13.979/2020, que dispõe sobre medidas que podem ser adotadas para o enfrentamento: “requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas”. Se isso ocorrer sem a devida imunização dos profissionais de saúde, o preço imposto aos trabalhadores da saúde será alto. E vai refletir pesadamente na assistência à população.
Vaciná-los é uma urgência. O corpo humano inicia a produção de anticorpos eficazes para evitar a covid-19 ou reduzir o risco de evolução para formas mais graves da doença de duas a quatro semanas após a vacinação. E o que temos à mão até o momento são vacinas que só atingem seu potencial de proteção após a segunda dose. Estamos falando de, no mínimo, dois meses para que um profissional de saúde entre diretamente na luta contra a covid-19 protegido.
Mais do que isso, trabalhadores da saúde infectados pelo coronavírus são possíveis transmissores aos pacientes que frequentam os consultórios, clínicas, ambulatórios ou laboratórios particulares. E quem procura esses locais não o faz por estar sadio, mas por apresentar algum problema de saúde agudo ou crônico. Incluam-se nesse grupo pacientes que necessitam de hemodiálise, cardíacos, diabéticos e portadores de outras doenças que os tornam especialmente frágeis diante do coronavírus.
O cenário do enfrentamento à pandemia da covid-19 no Brasil revela uma verdadeira guerra. E ela não é travada somente nas UTIs covid-19 e emergências de hospitais públicos, pois é indispensável dar a assistência para que pacientes com outras doenças não precisem ocupar os leitos hospitalares, cada vez mais comprometidos com a internação pelas complicações provocadas pela infecção do coronavírus. Preterir os trabalhadores da saúde na campanha de vacinação contra a covid-19 é um erro estratégico sem tamanho.
*Gutemberg Fialho é presidente da Federação Nacional dos Médicos
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