Paulo Dalla Nora Macedo*
O Brasil entrou na crise da covid-19 já em uma situação fiscal muito debilitada, o que se agravou bastante com a necessidade de gastos extraordinários para combater os efeitos da pandemia. Basicamente todo esse esforço vai custar a economia gerada pela Reforma da Previdência em dez anos.
Esse debate deveria envolver quem está preocupado com a competitividade de longo prazo da nossa economia, pois impacta a agenda de sustentabilidade e a capacidade de expansão no Brasil do conceito de ESG (environmental, social and governance – práticas que consideram questões ambientais, sociais e de governança).
Se ficarmos fora dessa agenda, corremos o risco de perder o bonde da história. O Financial Times defendeu em editorial, na última terça-feira (13), que a América Latina “deve investir pesadamente em infraestrutura, melhorar a qualidade da educação e da saúde, fazer reformas tributárias para reduzir a desigualdade e buscar um desenvolvimento mais verde”. O jornal também apontou como problema o histórico da região de ter taxas reduzidas de investimento em infraestrutura, equivalentes à metade das registradas em países asiáticos.
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Nos Estados Unidos, os custos dos pacotes de gastos relacionados à covid e ao pós-pandemia estão sendo enfrentados com um aumento dos impostos sobre o lucro das empresas, de 21% para 28%, tendo a expectativa de arrecadar 2,5 trilhões de dólares em quinze anos. Esse valor cobriria o custo do pacote que o governo de Joe Biden lançou com o intuito de recuperar e redirecionar a economia americana para uma base mais sustentável após a crise sanitária, um “Green New Deal”.
A história mostra que transformações tão estruturais no arranjo socioeconômico precisam da ativa participação do Estado. Por essa razão, Bill Gates defende em seu novo livro que o governo americano multiplique por cinco os investimentos próprios em tecnologias para energias limpas.
PublicidadePor mais que se queira evitar, o Brasil também vai precisar debater algum tipo de aumento de imposto para amenizar a situação fiscal pós-pandemia. Sem nenhuma capacidade de investimentos pelo Estado para o redesenho da nossa matriz econômica, vamos ficar na zona conhecida como “mata-burro” no tênis. E não adianta defender que a capacidade de endividamento é elástica ad infinitum, pois os mercados precificam nos juros futuros e no risco Brasil esse aumento excessivo de alavancagem. O que leva ao conhecido ciclo vicioso dos juros altos e investimentos baixos.
No debate sobre de onde viria o aumento de impostos no caso brasileiro, o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e autor de um dos projetos de reforma tributária em discussão no Congresso, acredita que existe espaço para alta das alíquotas na camada superior do imposto de renda.
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga falou em possibilidade de dobrar a alíquota de imposto de renda para o 1% mais rico. Eu concordo que no Brasil seria melhor que essa carga tributária maior, em caráter extra, viesse das pessoas físicas de renda superior e não das empresas como nos EUA, para não atrapalhar ainda mais a nossa competitividade.
Para ajudar na visualização dessa possibilidade, trago um estudo do consultor legislativo do Senado Federal, Fernando Veiga Barros e Silva, usando os dados do Imposto de Renda Pessoa Física de 2019.
O levantamento mostra que 1% dos declarantes com a maior renda em 2019, 304.985 contribuintes, teve uma renda de R$ 691,1 bilhões, o que significa quase 30% do total da renda declarada pelos brasileiros. Desse valor R$ 175,4 bilhões foram em rendimentos tributados apenas na fonte, R$ 250,8 bilhões de reais em lucros e dividendos, R$ 26,5 bilhões em rendimentos de sócio/titular de microempresa e de empresa de pequeno porte e, finalmente, R$ 101,4 bilhões em outros rendimentos isentos.
Separando as categorias, foram R$ 554,1 bilhões em rendimentos isentos ou apenas tributados na fonte, enquanto a renda efetivamente tributável ficou em R$ 137,0 bilhões. O debate que trago aqui é objetivo e não moralista: eu mesmo já me beneficiei de alguns desses mecanismos fiscais, o que não me impede de refletir sobre o tema.
Com base na sua renda tributável, esse 1% declarou imposto devido de R$ 28,7 bilhões, em face de uma renda total de R$ 691,1 bilhões. Ou seja, o 1% que, com maior renda em 2019, teve uma taxa efetiva de imposto sobre a renda total de 4,1%.
Claramente temos um espaço de arrecadação aqui, para enfrentar os custos do redesenho da economia, sem causar grande perda de competitividade empresarial para o Brasil. Se o imposto de renda para esse grupo dos 1% que mais teve renda subisse para alcançar uma taxa de tributação de 10% sobre a renda total dessa categoria, teríamos R$ 40,4 bilhões a mais por ano, ou um pouco mais de R$ 600 bilhões em quinze anos.
A título de comparação, o total de doações no Brasil seria de R$ 4 bilhões por ano segundo o Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE). Ou seja, um décimo do valor que o aumento da alíquota para o 1% mais rico geraria. Essa comparação não é desmerecimento da filantropia no Brasil, que precisa ser estimulada e comemorada, entretanto é importante para jogar luz na ordem de grandeza dos números.
Com os R$ 600 bilhões extras, estaria quase recuperado o valor despendido para a emergência do covid, ou recomposta a economia da Reforma da Previdência, e assim aberta alguma possibilidade de investimento.
Evidentemente que os esforços de redução de despesas desnecessárias na máquina pública têm que acontecer, mas devemos ter o pragmatismo para entender que essas medidas, sozinhas, não vão cobrir a situação fiscal, que já era ruim, e ainda abarcar esses novos gastos impostos pela pandemia. Essa não é uma aposta racional para quem sonha com um país capaz de competir no jogo do século 21.
*Paulo Dalla Nora Macedo é economista e empreendedor ESG
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