André Lima, Katia Maia é socióloga e Marcello Fragano Baird*
A pandemia escancarou e agravou as desigualdades sociais brasileiras, levando-nos a um cenário distópico em que mais de 423 mil brasileiras e brasileiros perderam suas vidas, mais de 14 milhões estão desempregados e mais de 116 milhões (55% da população!) enfrentam insegurança alimentar, dos quais 19 milhões estão passando fome.
Chegamos a esse ponto pela combinação das históricas vulnerabilidades socioeconômicas do país com as ações e omissões do governo federal, que não apenas é inepto no enfrentamento à pandemia, conforme atesta estudo da revista científica The Lancet, como também vem promovendo a destruição de inúmeras políticas públicas que haviam contribuído para a formação do incipiente Estado de bem-estar social brasileiro.
Esse desmonte ocorre também por meio da redução do orçamento das mais diversas áreas sociais, como aponta relatório do Inesc.
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Na saúde, além de diminuir os recursos do SUS, o governo não promove políticas de prevenção a outra pandemia existente, das doenças crônicas não transmissíveis (doenças respiratórias, do coração, câncer), responsáveis por mais de 70% das mortes no Brasil e no mundo. Ações nesse campo teriam tido enorme impacto, na medida em que 7 em cada 10 óbitos na pandemia são de pessoas com alguma doença crônica prévia ou fator de risco, como tabagismo e alimentação não saudável.
Na área ambiental, a situação não é diferente. Os vários retrocessos capitaneados pelo Executivo, expressos na estratégia “passa-boiada” do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, evoluíram para uma defesa explícita de madeireiras, no mínimo, suspeitas. Não por acaso, o ex-superintendente da Polícia Federal do Amazonas apresentou denúncia formal ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ministro. Além disso, o Brasil tem o menor orçamento ambiental desde 2001, para Ibama e ICMBio, que, a propósito, está ameaçado de extinção.
PublicidadeNo curto prazo, é fundamental que o governo reforce as medidas de isolamento e crie condições para que as pessoas superem esse momento, com o restabelecimento do auxílio emergencial de R$ 600 e de programas de apoio financeiro às micro e pequenas empresas.
Uma vez superada essa terrível crise sanitária que estamos atravessando, no entanto, o Brasil precisará se repensar e estabelecer um novo pacto de reconstrução social, política e econômica que permita ao país se reerguer e crie as condições para o desenvolvimento de um país mais justo, focado na promoção da saúde e na proteção ao meio ambiente.
Imbuídos desses valores, lançamos a ideia de uma reforma tributária 3S: solidária, saudável e sustentável. A proposta já foi apresentada em seminário na Câmara dos Deputados realizado em 9 de abril por iniciativa da Frente Parlamentar de Apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A reforma tributária deve ir além da necessária e bem-vinda simplificação e racionalização do sistema tributário e atacar as desigualdades na base, diminuindo o peso relativo de impostos indiretos, de caráter regressivo, e tributando mais renda e patrimônio e menos bens e consumo.
Além disso, a reforma deve tributar mais fortemente produtos que prejudicam a saúde e/ou o meio ambiente, como tabaco, bebidas adoçadas, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, combustíveis fósseis e produtos responsáveis por altas taxas de emissão de carbono, bem como vedar subsídios a esses produtos. Os custos para a sociedade são altíssimos.
A título de exemplo, apenas o tabagismo mata mais de 161 mil pessoas e gera custos à sociedade (médicos e previdenciários) da ordem de R$ 92 bilhões todos os anos. Igualmente inaceitável é haver subsídios à indústria de refrigerantes, que custaram aos cofres públicos R$ 4 bilhões em 2018, ou à cadeia da carne bovina, que recebeu renúncia de R$ 123 bilhões somente entre 2008 e 2017. Advogamos, nesse sentido, a “progressividade socioambiental”.
Não queremos reinventar a roda ou propor soluções heterodoxas. Defendemos, simplesmente, que o Brasil se alinhe às experiências internacionais bem-sucedidas, cobrando mais daqueles que podem pagar mais e chamando as empresas a se tornarem corresponsáveis pelo desenvolvimento do país.
O Brasil precisará de medidas estruturantes para superar essa crise devastadora pela qual passamos e acreditamos que a reforma tributária 3S possa ser um dos caminhos mais promissores para nos tornarmos um país mais solidário, saudável e sustentável.
*André Lima é advogado e coordenador do IDS e do GT socioambiental da RAC; Katia Maia é socióloga e diretora executiva da Oxfam Brasil e Marcello Fragano Baird é cientista político e coordenador de advocacy na ACT Promoção da Saúde.
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