Cileide Alves*
Entrevistei pela primeira vez o deputado e capitão reformado do Exército, Jair Bolsonaro, na sexta-feira (20) para o programa Manhã Sagres, na Rádio Sagres 730 (ouça mais abaixo a íntegra da entrevista). O que mais me chamou a atenção não foi sua defesa do indefensável ou seu estilo truculento. Isso faz parte de sua estratégia de se transformar em um “mito”. E com algum sucesso, haja vista sua liderança nas pesquisas eleitorais (em cenários sem a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva).
O pré-candidato do PSL não é um mero boquirroto. Ele não fala sem pensar. Cada palavra, cada frase, cada xingamento compõe uma agressividade na medida certa para formar o perfil de um transgressor do establishment político aliado ao de defensor da moral conservadora. Até aí é possível entender porque o público de extrema direita (para quem Bolsonaro se dirige) ou aquele desiludido com os governos petista se encantaram com esse conservador/transgressor, se é que isso é possível.
Professora da USP, Esther Solano pesquisou entre jovens da periferia de São Paulo o sucesso dos vídeos do candidato do PSL (o trabalho chama-se Democracia e Extremismos de Direita). Descobriu que eles entendem seu estilo como quebra de costumes, uma rebeldia, como se fosse uma mera irreverência.
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O encantamento deste grupo com o capitão da reserva tem menos a ver com o conteúdo e mais com a forma. E foi exatamente o conteúdo do discurso de Bolsonaro que me chamou a atenção na entrevista da qual participei e que durou 32 minutos. As ideias do candidato são de uma superficialidade constrangedora, mesmo quando fala de temas que, teoricamente deveria dominar, como a defesa da ditadura militar. Afinal ele já é deputado há 28 anos e este sempre foi um de seus assuntos preferidos.
Na entrevista à Sagres 730, por exemplo, ele tentou provar que não houve golpe militar em 1964. Para corroborar seu raciocínio, me perguntou qual a data do golpe. Respondi que foi em 1º de abril, no que ele retrucou: o governo de João Goulart, o Jango, caiu em 2 de abril, porque o Congresso Nacional declarou vago o cargo de presidente da República e empossou o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. Por sua versão, não foram os militares quem derrubaram o presidente, mas o Parlamento, com apoio da sociedade e da mídia. Chega a ser infantil essa tentativa de apagar da história os acontecimentos dos dois dias anteriores.
A insurreição militar começou em Minas Gerais naquele 31 de março de 1964 com o general Mourão Filho, chefe da 4ª Região Militar, ganhou a adesão de militares de alta patente em outros Estados, levou à prisão do governador de Pernambuco, Miguel Arraes, na tarde do dia 1º, e Jango a viajar de Brasília para Porto Alegre, onde pretendia resistir. A insurreição tornou-se vitoriosa 48 horas depois com o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarando vago o cargo de presidente da República em uma sessão tumultuada que varou o dia 1º para só terminar na madrugada do dia 2.
Quando passa a defender suas ideias sobre temas atuais, o deputado também não aprofunda em nada. Diz que suas propostas como candidato a presidente são “defender a família, respeitar a criança em sala de aula [ele disse isso no mesmo dia em que ensinou uma criança de menos de cinco anos a simular uma arma entre os dedos, imagem que viralizou na internet] ; o comércio internacional sem o viés ideológico da esquerda; jogar pesado na segurança pública; e pôr um freio na ‘multagem’ do homem do campo pelo Ibama e pelo ICMBio; e na ‘multagem’ [por excesso de velocidade] nas rodovias”.
Para o deputado, essas multas servem apenas para governos arrecadarem recursos. O deputado afirma que conseguirá governar caso se vença as eleições, porque seu “pacotão”, projeto que diz ter apresentado a 110 deputados federais em troca de apoio, terá votos das bancadas do agronegócio, da segurança pública e dos evangélicos. E completou: “a economia será com meus economistas”. Em outras palavras, vai terceirizar a definição de projetos para um dos problemas mais vitais para o país, a solução das crise econômica e fiscal.
Bolsonaro, portanto, dirige seu discurso às elites rural e industrial – esta ele sensibiliza dizendo que vai aprofundar a flexibilização da reforma trabalhista –; aos evangélicos e aos setores linha dura da segurança pública. Por esta amostra, percebe-se que não há exagero nas críticas ao discurso simplista e raso, apresentado como se fosse um projeto político para um país do tamanho e da complexidade do Brasil. Daí porque fracassei na tentativa de entender suas ideias. Tirando o discurso moralista, elas não existem.
Ouça a íntegra da entrevista à rádio Sagres 730:
*Cileide Alves é jornalista, ex-editora-chefe do jornal O Popular, colunista política e apresentadora da Rádio Sagres 730.
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