Marcelo Viana Estevão de Moraes*
A esta altura da tramitação na Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 32, que trata da reforma administrativa, parece evidente que o grande erro estratégico na definição da agenda foi definir como prioridade a alteração da Constituição Federal. Apesar dos esforços do relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA), pressões supervenientes degradaram um relatório que já não era bom, encaminhando para apreciação do plenário uma colcha de retalhos aprovada a fórceps na comissão especial. Ao fim e ao cabo, todo o processo dissipou uma enorme energia institucional que deveria ter sido canalizada, no Legislativo, para a apreciação de normas infraconstitucionais, e no Executivo, para a implementação sistemática de uma agenda de gestão.
Como é sabido, a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, tendo por inspiração o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, de 1995, tentou aperfeiçoar o arcabouço constitucional buscando compatibilizar o critério burocrático do mérito com flexibilidades operacionais, em uma perspectiva gerencial. A EC nº 19 deixou delineada uma agenda de mudanças legislativas que não avançou em sua integralidade em mais de duas décadas. Ora, o bom senso recomendaria que a prioridade para discussão e votação fosse dada a essas iniciativas que, por meio de processos legislativos menos complexos de tramitação e aprovação, permitiriam enfrentar questões concretas e bem definidas.
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No que diz respeito à cooperação entre os setores público e privado, à formatação das organizações públicas e à cooperação federativa, já existe hoje um amplo repertório de formatos institucionais e de mecanismos de contratualização que dispensam alterações constitucionais, tratando-se mais de, por legislação complementar ou ordinária, redesenhar caso a caso o modo de operar do Estado, segundo cada conveniência.
Em matéria fiscal, o fato é que só a inflação acumulada de 10% nos últimos 12 meses, sem a perspectiva de reajuste próximo da defasagem dos últimos anos, produz por si um ajuste geral imediato da despesa global de pessoal que dispensa mecanismos complexos de redução seletiva de remuneração e jornada aplicáveis apenas, por óbvio, a servidores ativos.
Quanto ao aperfeiçoamento das políticas de recursos humanos no governo federal, há mais de década foi elaborado um documento de “peer review” com a OCDE cujas recomendações demandam fundamentalmente ação administrativa.
PublicidadeE vale ressaltar que, mesmo sem uma política efetiva de governança na esfera federal, em função da alta rotatividade de titulares de ministérios do denominado centro de governo, o escalão intermediário da área de gestão pública tem impulsionado uma agenda substantiva em áreas estratégicas, tais como o novo marco normativo de licitações e contratos, racionalização da estrutura de cargos comissionados do Executivo federal, digitalização de serviços públicos e implantação do Programa de Gestão e Desempenho da força de trabalho, que permite institucionalizar o teletrabalho e perenizar economias obtidas com despesas de custeio da administração, entre outras iniciativas. Tudo sem alterar uma vírgula no texto constitucional.
A PEC nº 32 é um defunto ruim que deve ser enterrado sem choro nem vela. Ela mais atrapalha do que favorece a modernização e a racionalização do Estado. As energias institucionais devem se concentrar em ações específicas, normativas ou gerenciais, capazes de gerar resultados concretos de curto e médio prazo, evitando as armadilhas das grandes narrativas constitucionais, retóricas e pouco efetivas, quando não contraproducentes.
*Marcelo Viana Estevão de Moraes é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, pesquisador do Centro de Altos Estudos de Governo e Administração (CEAG-UnB), autor do livro A Construção da América do Sul: o Brasil e a Unasul (Appris, 2021), ex-secretário de Gestão (2008/2010) e ex-secretário de Previdência Social (1994/1999) no governo federal.
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