Paula Johns*
A recente pesquisa feita pelo Congresso em Foco com quase duas dezenas de parlamentares, no âmbito do Painel Parlamento Socioambiental, traz pistas importantes de como conectar as agendas de interesse público na área da saúde e meio ambiente.
Saúde, sustentabilidade e uma economia que não destrua o planeta em que habitamos e que esteja a serviço das pessoas, sem deixar ninguém para trás, não somente é desejável como é o único caminho possível para darmos conta dos nossos desafios coletivos e colocar um fim no Ecocídio.
As supostas dicotomias entre saúde e economia, economia e meio ambiente, ou entre as pautas sociais não sobrevivem à luz do dia. Já consumimos 1,6 planeta no modelo de produção e consumo atual. O colapso iminente da biodiversidade, a insegurança climática e alimentar, as pandemias de covid e doenças crônicas são fruto de um modelo autodestrutivo. Há uma profunda relação de interdependência entre todos esses temas.
No plano do discurso, é comum a aderência dos parlamentares aos temas ambientais e de saúde, afinal, quem poderia se dizer contrário à saúde, à proteção do meio ambiente ou ao desenvolvimento sustentável? Mas no campo prático, essa aderência discursiva não se transforma em prática política. Ao contrário, o que o conjunto de análises realizadas revela é uma tendência de flexibilização de leis que tornam a vida dos poluidores ainda mais fácil em nome de um modelo de crescimento econômico que não arca com as externalidades que causam na sociedade.
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A pesquisa buscou entender as percepções do Senado e da Câmara sobre temas socioambientais. E investigou as opiniões dos parlamentares sobre problemas ambientais, a condução da política de meio ambiente e clima pelo atual governo, a percepção de parlamentares sobre saúde e alimentação, e a conexão desses temas com a Reforma Tributária – que tramita no Congresso Nacional, a passos lentos, onde aguarda relatório final da Comissão Especial Mista.
É quase consenso entre os congressistas que a Reforma Tributária deva criar impostos seletivos sobre produtos que fazem mal à saúde, com quase 70% de apoio. A grande maioria (72%) concorda que a reforma deva aumentar impostos sobre tabaco e seus derivados, 68% apoiam aumentar tributos sobre produtos responsáveis por altas taxas de emissão de carbono na sua produção ou uso, 60% apoiam aumento de imposto sobre bebidas alcoólicas, 55,9% sobre refrigerantes e bebidas adoçadas, e 52,5% concordam com maior tributação sobre agrotóxicos. Quase metade da amostra de parlamentares (49,2%) defende o aumento de impostos de produtos ultraprocessados – associados a diversas doenças e que devem ser evitados de acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde.
No campo dos benefícios fiscais, a maioria dos parlamentares (66%) concorda que a Reforma Tributária deva impedir incentivos e isenções fiscais às indústrias que causam danos à saúde. Uma excelente notícia, já que o Brasil passa vergonha internacional no campo da promoção da saúde ao dar milhões de reais em isenções para a indústria de refrigerantes e bebidas adoçadas, que só este ano deixará de pagar à União quase meio bilhão de reais em benefícios fiscais, de acordo com a Receita Federal. Ou seja, as isenções fiscais permitem que a indústria baixe o preço dos refrigerantes nas prateleiras, por exemplo, favorecendo o maior consumo de um produto associado a doenças como diabetes tipo 2, hipertensão, doenças renais e câncer, fato comprovado por fartas evidências científicas.
Se a obesidade e a alimentação não-saudável são problemas que só crescem no Brasil, a maior parte dos congressistas concorda que as mudanças nos sistemas alimentares têm relação direta com o aumento da obesidade, com a degradação de recursos naturais e consequências negativas para o planeta. A maioria dos congressistas também concorda que um abastecimento alimentar de qualidade e promotor de saúde está diretamente relacionado à maneira como a agricultura é ordenada e gerida em nosso país.
Um dos desafios apontados está em sensibilizar a classe política para a relação entre doenças crônicas não-transmissíveis, como a obesidade e o diabetes, e as mudanças climáticas, realidade com que a maioria dos deputados e senadores discorda – ou, talvez, desconheça. E também continuar gritando, a plenos pulmões, sobre os riscos à saúde do consumo excessivo de bebidas adoçadas, e a necessidade urgente de políticas públicas que reduzam a demanda por esse tipo de produto.
Aqui no Brasil, adultos consomem, em média, 61 litros de refrigerantes e bebidas adoçadas por ano. Crianças, ainda mais: 88 litros por ano. As indústrias investem milhões de reais em marketing, e querem ocultar o lado amargo das bebidas açucaradas, mas temos a ciência ao nosso lado, e não desistiremos, apesar do forte lobby operado por essas indústrias.
A Reforma Tributária pode e deve ser vista como uma oportunidade para reduzir as desigualdades sociais de duas formas: cobrando mais impostos de quem causa danos à saúde e ao meio ambiente, e dando benefícios fiscais e incentivos para setores produtivos que contribuem com o bem comum.
Disputas veladas
Além das conexões entre saúde, agricultura e meio ambiente reveladas na pesquisa e percebidas pelos parlamentares, existem várias outras que não foram explicitadas e que merecem atenção. Como por exemplo a correlação entre a utilização de combustíveis fósseis com altas taxas de emissão de carbono e a poluição do ar, que também é um dos cinco principais fatores de risco na pandemia das doenças crônicas não transmissíveis, ao lado do tabagismo, consumo nocivo de álcool, sedentarismo e má qualidade da alimentação,
A pandemia de covid-19 aproximou as agendas das doenças crônicas e infecciosas da agenda socioambiental. Os desastres e crimes ambientais de 2019 e 2020 – como Brumadinho, os incêndios no Pantanal e na Amazônia e o derramamento de petróleo no Nordeste – trazem à tona que “business as usual” não é um bom negócio para o país ou para a saúde planetária. Some-se a isso à desigualdade social crescente e a crise política do negacionismo da ciência e temos grande parte dos ingredientes que dão forma à distopia que estamos vivenciando.
O diagnóstico das causas e as soluções propostas para enfrentar esses desafios são divergentes e estão em disputa. De um lado, posições defendidas por quem causa os problemas, associações e conglomerados industriais que querem enfraquecer o Estado e ampliar a desregulação.
Do outro lado, posições defendidas pelos grupos em defesa de saúde e da agenda socioambiental, que entendem que as soluções passam necessariamente pela defesa dos direitos sociais e humanos, e pelo fortalecimento do papel regulador do Estado, suas estruturas e órgãos de proteção ambiental e o Sistema Único de Saúde (SUS).
Como sociedade civil, continuaremos firmes e fortes na defesa de leis e políticas públicas que ajudem a forjar uma sociedade mais saudável, sustentável e solidária – e há muito trabalho a fazer. E precisamos de mais líderes políticos capazes de nos apoiar nessa caminhada.
Para acessar a Pesquisa de Opinião e os demais relatórios do Painel Parlamento Socioambiental clique AQUI
* Paula Johns é socióloga e Diretora Geral da ACT Promoção da Saúde
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