Evandro Pertence*
Desde a semana da morte de Tancredo Neves, seguida da ameaça do então presidente João Baptista Figueiredo de não empossar o vice-presidente eleito, José Sarney, nunca houve uma semana tão arriscada para a democracia brasileira como a que passou.
Já não são apenas bravatas. Agora, são ações que afrontam a nossa jovem democracia, fazendo com que a coragem seja item de primeira necessidade.
Em cada mão brasileira que bate uma panela criticando o governo, em cada dedo que digita questionamentos aos detentores do poder, há ideias e ideais. Essas ideias não podem ser presas, nem os ideais poder ser encarcerados. Tentar algemar a liberdade de expressão é missão impossível, pois, como decidiu o Supremo Tribunal Federal: “Cala a boca já morreu”.
Como militantes da advocacia que somos, nossa luta é por direitos. Não há outro caminho cívico possível que não seja o da patriótica defesa da cidadania, da República e da democracia. O mesmo vale para qualquer cidadão e cidadã que faz desse país o santuário da diversidade e do pluralismo que almejamos ser.
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Imaginávamos que o solo fértil das liberdades semeado pela Constituição de 1988 jamais seria envenenado por práticas autoritárias. A realidade, contudo, tem sido outra e os episódios da semana a ilustram bem.
PublicidadeAs Forças Armadas existem para nos proteger, jamais para nos amedrontar. Exercemos o poder por meio do Congresso Nacional, que jamais se converterá num inimigo a ser combatido. Despropositada e infeliz, portanto, aquela nota.
Quanto às urnas eletrônicas, são um orgulho nacional, fruto do pioneirismo brasileiro em investir em inovação tecnológica em oposição às fraudes do passado. Um sistema moderno que é testado e aperfeiçoado a cada eleição. Sistema, inclusive, no qual o atual presidente da República sagrou-se vencedor em 2018.
Por fim, quanto à ameaça de não termos eleições em 2022, eleições periódicas, elas constituem uma cláusula pétrea de nossa Constituição e são o próprio alimento da democracia. Nas palavras de Ulysses Guimarães, apenas “traidores da Constituição” são capazes de ousar privar o povo desse direito fundamental.
No meio de tudo isso, anima o espírito ver a reação imediata de outros poderes da República e seus membros, bem como da sociedade civil. Mas não é o bastante.
Precisamos dar as mãos à democracia. Quanto às conquistas democráticas, não pode haver lados. A democracia é o único lado. Essa é a frente ampla que o Brasil precisa.
A Ordem dos Advogados do Brasil, além de vigilante, deve mobilizar quem escolheu, como razão de viver, a defesa dos direitos individuais e da cidadania.
A Ordem, mais do que nunca, precisa resgatar a grandeza, a coragem e o protagonismo demonstrados em momentos desafiadores da nossa história republicana – o que muito nos orgulha. Os desafios do nosso tempo reclamam a defesa intransigente da democracia e de nossas conquistas cidadãs.
Divergências ideológicas devem conviver no espaço da Constituição, conformadas pela liberdade, pela tolerância e pelo voto. Esse é um caminho sem volta, uma conquista da qual jamais abriremos mão.
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*Evandro Pertence é advogado. Já foi Conselheiro Federal da OAB e membro da comissão de Direitos Humanos da entidade.