*Lisiane Mehl Rocha
Um dos assuntos mais comentados nas últimas semanas foi a ação promovida pelo Magazine Luiza, que no último dia 18 abriu processo de seleção para o seu programa “trainee” 2021, visando contemplar exclusivamente jovens negros, sem os pré-requisitos de conhecimento de inglês e experiência profissional anterior.
> Olhares Negros – Uma experiência possível e necessária
De acordo com o CEO Frederico Trajano, a iniciativa deu-se após verificarem que apenas 16% dos representantes de liderança dentro da empresa são negros, embora possuam mais de 40 mil funcionários. Como toda atitude arrojada e pioneira, foi amplamente criticada, alguns afirmando que seria marketing de inclusão e outros falando em prática de “racismo reverso”, pois ao privilegiar candidatos negros a empresa estaria discriminando os brancos.
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Não bastou muito para que o assunto chegasse ao Ministério Público do Trabalho (MPT) por meio de denúncias feitas por pessoas que alegavam ter sido impedidas de participar do processo seletivo em razão do tom de pele. Após análise, o MPT entendeu que não houve violação trabalhista, mas sim se tratou de ação afirmativa de reparação histórica.
De acordo com a procuradora Adriane Reis de Araújo, coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, a ação foi legítima e “o que os empregadores não podem fazer é criar seleções em que haja reserva de vagas ou preferência a candidatos que não integram grupos historicamente vulneráveis”. Portanto, a empresa agiu dentro da legalidade.
PublicidadeAqui, faço um corte para mencionar as pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que indicam que o percentual de pessoas que se declaram negras no Brasil corresponde a 56,10%, ou seja, a maioria da população. Ainda, as pesquisas demonstram que no Brasil negros ganham menos que brancos.
Apenas para se ter uma ideia, em 2018, a renda per capita de pretos e pardos era de R$ 934,00 enquanto no mesmo ano, brancos ganhavam R$ 1.846,00, quase o dobro. Isso sem falar que desde o início da pandemia, a população negra vem sendo a mais impactada com a informalidade no mercado de trabalho.
Entendo que essa desigualdade deve ser enfrentada pelo poder público, mas de igual modo pode ser corrigida por ações da iniciativa privada por meio de ações afirmativas que encontram amparo na Constituição Federal, Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288, de 20 de julho de 2010), e em Convenções Internacionais, da qual o Brasil é signatário.
E, antes que se alegue inconstitucionalidade ou “racismo reverso”, é bom lembrar que o Supremo Tribunal Federal já afirmou a compatibilidade das ações afirmativas com o princípio da igualdade previsto nos art. 5º, caput e 7º, inciso XXX, entendendo constitucionais.
Mas apesar de legítimas, tais ações ainda causam polêmica, o que somente deixa claro o racismo institucionalizado e o quanto ainda temos que avançar em termos civilizatórios. Precisamos, mais que nunca, falar em interseccionalidade, inclusão e direitos humanos.
*Lisiane Mehl Rocha é advogada, especialista em Direito do Trabalho, membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PR.
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