Por Jacqueline Pitanguy*
A discussão em torno do abortamento no Brasil está mais presente do que nunca, inclusive no Congresso Nacional, envolvendo uma série de aspectos políticos, jurídicos, sociais e éticos. Recentemente, a ONU cobrou do governo brasileiro a implementação de políticas públicas voltadas para a saúde reprodutiva das mulheres, destacando a necessidade de garantir o acesso ao aborto legal e seguro.
Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido palco de uma disputa acalorada em torno de norma estabelecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que impacta diretamente o acesso das mulheres ao atendimento, nas situações já previstas em lei.
No entanto, além das questões jurídicas e políticas, é fundamental destacar a dimensão social e ética desse debate. Dados recentes, como os da Pesquisa Nacional de Aborto, revelam uma realidade alarmante: estima-se que milhares de mulheres recorram ao aborto clandestino a cada ano no Brasil, colocando em risco suas vidas e sua saúde. Essas mulheres, muitas vezes, enfrentam enormes desafios para acessar serviços de saúde seguros e de qualidade, sendo que uma parcela significativa delas sofre sequelas físicas e emocionais decorrentes de procedimentos inseguros. Problemas decorrentes do aborto inseguro são a quinta causa de mortalidade materna no País, uma triste estatística!
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É inegável que as posições em relação ao abortamento são profundamente polarizadas e muitas vezes marcadas por convicções religiosas e ideológicas. No entanto, é essencial que possamos construir um diálogo baseado no respeito à diversidade de opiniões e na garantia dos direitos fundamentais das mulheres.
É necessário compreender que o direito ao abortamento não é apenas uma questão de escolha individual, mas também de saúde pública e justiça social. A mortalidade materna, especialmente entre mulheres negras e pobres, é uma triste realidade em nosso país e deve ser enfrentada com políticas públicas eficazes e respeito aos direitos humanos.
PublicidadeNo entanto, o debate muitas vezes se vê contaminado por discursos autoritários e moralistas, que buscam impor uma única visão sobre a questão. Precisamos buscar uma abordagem inclusiva e democrática, que reconheça a complexidade da questão e respeite a autonomia das mulheres sobre seus corpos e suas vidas.
A lei que regula o aborto no Brasil, pasmem, ainda é de 1940! No último dia 28/05, Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher, lançamos uma campanha em Brasília, mostrando que nessas oito décadas a sociedade evoluiu de tantas formas – até fomos algumas vezes à Lua! – mas seguimos na lanterna do mundo, nessa questão. A figura da astronauta, uma das peças da campanha, simboliza não apenas a longa jornada que as mulheres brasileiras enfrentam na luta pelos seus direitos reprodutivos, mas também o contraste entre os avanços tecnológicos e científicos e a persistência das desigualdades de gênero e violações de direitos.
O Brasil deve avançar assegurando o acesso ao aborto seguro. É preciso combater o estigma e a discriminação que cercam o tema e garantir que todas as mulheres tenham acesso a serviços de saúde de qualidade e respeito aos seus direitos.
Em última análise, o debate sobre o abortamento no Brasil é um reflexo mais amplo das desigualdades de gênero e raça e das lutas por direitos das mulheres em nossa sociedade. É hora de deixarmos de lado os preconceitos e a falta de informação e buscarmos entender que se trata de uma pauta de saúde pública, justiça reprodutiva e de direitos humanos. E dessa forma construir uma sociedade mais justa, igualitária e respeitosa para todas as pessoas.
*Jacqueline Pitanguy é socióloga, cientista política, ativista histórica e coordenadora da CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), ONG que há 34 anos promove os direitos das mulheres.
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