Carlos Moura*
Entre os atributos dos recém-lançados satélites brasileiros NanoSatC-Br2 e Amazonia 1, um deles permite antever um novo e promissor ciclo da atividade espacial brasileira: a parceria entre instituições públicas, centros de pesquisa e iniciativa privada.
Num país com histórica limitação de verbas, a entrada em órbita dos artefatos (em 22 de março e 28 de fevereiro, respectivamente) vislumbra caminhos de consistência para o Programa Espacial Brasileiro – justamente quando comemoramos os 15 anos da Missão Centenário, que levou o hoje ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, à Estação Espacial Internacional. Foi a consolidação de conhecimentos e revisões estratégicas que permitiram a recente conquista, de forma a retroalimentar o interesse da sociedade como um todo, em especial dos tomadores de decisão que podem carrear investimentos públicos ou privados.
Todo e qualquer avanço do Brasil nessa área resulta do alinhamento dos órgãos e entidades, públicos e privados, que compõem o Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (Sindae). No papel de coordenadora do sistema, a Agência Espacial Brasileira (AEB) impõe-se a meta de sempre exibir feitos históricos resultantes das parcerias. No caso da Missão Centenário, dos oito experimentos levados ao espaço em 2006, pelo astronauta Marcos Pontes, dois tornaram-se produtos da indústria aeronáutica. Os minitubos de calor (MHP) e os evaporadores capilares, que compõem pesquisas conduzidas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), avaliaram o controle térmico de equipamentos em ambiente de microgravidade.
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Com os resultados obtidos nos oito dias de Missão Centenário, foi possível desenvolver a tecnologia que permite a refrigeração de componentes eletrônicos em aviões sem o uso de combustível. Hoje, a UFSC e a Embraer compartilham a patente derivada daquela investigação científica.
Ao congregar os envolvidos e, a partir daí, construir bases comuns de atuação, a agência dedica-se também a mostrar a importância da atividade espacial no cotidiano das pessoas. Isso porque a tecnologia que leva um brasileiro à órbita da Terra tem o mesmo refino daquela que gera um equipamento capaz de coletar informações climáticas e, dessa forma, indicar o melhor momento para plantar ou colher a produção agrícola.
PublicidadeSeguindo essa lógica, busca-se o melhor entendimento de como as alterações no campo magnético do planeta interferem, por exemplo, na conexão com regiões remotas, hoje sem cobertura de satélite ou de telecomunicações. Por isso, investir em ciência espacial é contribuir com a melhoria da qualidade de vida das pessoas, assim como do ambiente econômico.
Fatos como esses mostram que o investimento no setor espacial é capaz de transformar despesa em receita. Por isso, a AEB tem sido indutora de parcerias com a iniciativa privada para a geração de negócios, como as ações em prol do Centro Espacial de Alcântara. É o caso do Catálogo de Fornecedores, lançado em 2020, com o objetivo de facilitar o contato entre empresas interessadas em usar comercialmente o Centro e os possíveis fornecedores da respectiva cadeia produtiva.
Em um momento de debate sobre o Orçamento de 2021 no Congresso Nacional, é sempre importante destacar o peso que as iniciativas em ciência e tecnologia têm na dinamização da economia e na melhoria do bem-estar social.
A pandemia da covid-19 tem imposto desafios ainda maiores na alocação e gestão de recursos públicos. Todavia, também nos deixa claro dois pontos: que não podemos depender umbilicalmente de produtos e serviços do exterior; e que muitas das soluções para a retomada do crescimento do país partem da inovação e do desenvolvimento tecnológico. E, sendo assim, naturalmente a comemoração dos recentes feitos do Programa Espacial Brasileiro vem a soar como apelo aos dignos parlamentares federais: em prol dos inegáveis retornos para a sociedade, considerem estratégico o aumento dos recursos para as atividades espaciais brasileiras.
*Carlos Moura é presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), graduado em Engenharia de Infraestrutura Aeronáutica e Mestre em Ciências, área de informática (engenharia de software) pelo Instituto Tecnológico Aeronáutico (ITA). Desde 1985, atua no segmento espacial com destaque para implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA-MA), desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites (VLS), operações de lançamento e rastreio espaciais, operações de intercomparação de sondas com a Organização Mundial de Meteorologia.
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