Heitor Scalambrini Costa*
Uma das maiores mentiras propagandeadas pelos defensores da energia nuclear é chamá-la de limpa. Talvez acreditam que será mais facilmente aceita, digerida, absorvida pela sociedade brasileira a construção de usinas nucleares.
Até o reino mineral sabe que não existe fonte de energia que não cause problemas sociais, impactos ao meio ambiente, produzam resíduos e contaminações; e assim não poderiam ser chamadas de limpas. Afinal não existe energia limpa, e sim sujas e menos sujas.
As fontes de energia sujas são conhecidas, as fontes não renováveis, como o petróleo e seus derivados, o carvão mineral, e o gás natural; os vilões das emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa). Também nesta classificação, é considerada a energia produzida pelos minerais radioativos.
E as fontes menos sujas, são as fontes renováveis provenientes do Sol, do vento, da água, da biomasssa, … Dependendo de como é produzida a energia elétrica, a partir das fontes renováveis, se tornam menos ou mais sujas. A produção centralizada, em grandes usinas, parques, centrais, são as mais sujas. Enquanto a produção descentralizada de energia nos telhados, ocupando pequenas áreas são as menos sujas. Esta nomenclatura corresponde ao que realmente acontece em campo ao analisar a geração centralizada e a geração descentralizada. No caso da geração centralizada, as boas práticas socioambientais foram abandonadas pelas empresas que se dedicam ao negócio do vento e do Sol.
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Os defensores de usinas nucleares insistem em chamar esta fonte de energia elétrica, de limpa. Pura esperteza, má fé, “fake news”. Tentam confundir, influenciar, e assim formar opinião com base em premissas falsas. Enganam os incautos, pois mundialmente, e no país, a fonte nuclear desperta na população temor, repulsa, medo, perigo. Chamando-a de limpa querem tornar mais palatável esta fonte de energia perigosa, cara e suja.
PublicidadeÉ preciso saber que existem várias fases e processos industriais envolvidos, que transformam o minério de urânio no combustível que vai gerar energia térmica (reações nucleares) e sua conversão em eletricidade nos reatores nucleares. Para se obter o combustível usado nas usinas, denomina-se de ciclo do combustível nuclear os vários processos industriais envolvidos, desde a mineração e beneficiamento do minério radioativo, a conversão em gás, o enriquecimento isotópico, a reconversão de gás para material sólido, a fabricação das pastilhas e do combustível, e a geração na usina nuclear. Rejeitos de alto grau de radioatividade são produzidos nos reatores nucleares e devem ser tratados e armazenados.
Um dos maiores problemas causados pelo volume descartado, popularmente chamado de “lixo nuclear”, merece uma discussão a parte, sobre o que fazer com este “lixo”, como armazená-lo com segurança, pois a radioatividade, e o perigo que ela representa para as pessoas e meio ambiente, pode perdurar por milhares de anos. E a pergunta que não quer calar é sobre a questão ética de legar para as gerações futuras, mais este grandioso problema.
Também pouco é discutido com a sociedade, o que fazer com as usinas depois de findarem suas vidas úteis de funcionamento. O processo de descomissionamento é caro e longo. Alguns estudos mostram que o custo envolvido nesta etapa pode ser próximo do valor gasto na instalação da própria usina. E quem finalmente pagará será o consumidor.
Além das questões postas sobre os inúmeros motivos para ser contra a instalação de usinas nucleares, sem dúvida a falta de transparência do setor nuclear é sua marca indelével. Está no DNA do setor o desrespeito completo para com a sociedade, sobre as explicações, ações, motivações e justificativas das decisões tomadas. Sem dúvida interesses militares contribuem para que informações não cheguem à população, sejam dificultadas e mesmo omitidas. O debate democrático é necessário sobre o futuro das usinas nucleares no país. Se é que haja futuro para esta fonte de energia.
Diferentemente do que afirmam os nucleopatas, o Brasil não precisa da energia nuclear para garantir sua segurança energética. O atendimento do consumo de energia elétrica pode ser ofertado apenas com fontes renováveis de energia sem recorrer a usinas nucleares de potência. Inúmeros estudos apontam para a exuberância e o enorme potencial dos recursos solares, eólicos, e da biomassa existentes nas várias regiões do país. Além de uma extensa costa marítima que permitiria o uso das marés, das ondas, das correntes marítimas como fonte de energia em futuro próximo.
Outra afirmação que ofende a inteligência alheia diante da realidade é que esta fonte energética esteja crescendo no mundo, com grande aceitação entre os países. Mentira deslavada.
Na reunião do Clima em Glasgow, a COP26, pouco se falou na alternativa nuclear para o enfrentamento da emergência climática. A exceção foi a presença dos grupos de pressão, que se beneficiam economicamente desta insana escolha, dos lobistas, das grandes corporações interessadas em fazer negócios.
Todavia, merece destaque a declaração conjunta assinada pela Alemanha, Portugal, Luxemburgo, Áustria e Dinamarca, nesta reunião, defendendo que não devem ser disponibilizados recursos financeiros da Comunidade Europeia para financiar novas usinas nucleares. Os italianos já haviam em 2011, através de referendo popular, por larga margem (94% dos votantes), serem favoráveis ao banimento das centrais nucleares de seu território. As quatro que existiam foram fechadas. Na Alemanha foi decisão do governo, de que em dezembro de 2021, metade dos reatores nucleares ainda em operação sejam desativados. A outra metade deverá sair de operação no próximo ano, e assim de vez abolir a energia nuclear de seu território.
Em outros países existem fortes resistências ao uso da energia nuclear para geração elétrica. Mesmo naqueles poucos países que têm aumentando a participação do nuclear em suas matrizes elétricas, existem fortes embates entre as posições pró e contra, e questionamentos sobre o uso destas “chaleiras atômicas”.
Não se pode aceitar que decisões de pequeno grupo, sobre questões essenciais, tão relevantes para a sociedade, sejam acatadas simplesmente, em detrimento da opinião do povo brasileiro que não gosta da ideia de ter usinas nucleares no país. A reivindicação é de que a sociedade brasileira seja ouvida com relação a instalação de usinas nucleares. Ainda mais sendo uma escolha que compromete não só as gerações atuais, como também as futuras, a uma fonte energética polêmica, para falar o mínimo, e desnecessária.
A energia nuclear não é a fonte prioritária para ser apoiada e disseminada, e compor um mix com outras fontes para diversificar a matriz elétrica, como recentemente declarou o almirante-ministro de Minas e Energia. Posição equivocada, contrária aos interesses públicos e da natureza. Sem lastro em análises técnicas, econômicas, ambientais; a decisão de priorizar a fonte nuclear na matriz elétrica é um erro que está sendo cometido açodadamente, sem que verdadeiramente haja um debate nacional sobre o papel desta fonte de energia insustentável no cenário elétrico brasileiro. Existe em todo território brasileiro disponibilidade de fontes energéticas mais econômicas, mais seguras, menos sujas.
A boiada no setor nuclear deve ser contida.
*Heitor Scalambrini Costa é professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco e membro da Articulação Antinuclear Brasileira
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