Pedro Estevam Alves Pinto Serrano* e Carol Proner**
Os diálogos tornados públicos pelo “escândalo Vaza Jato”, ainda que desnecessários para concluirmos pela invalidade das ações penais, escancararam para a sociedade que ao ex-presidente Lula não foi assegurado o devido processo legal, bem como o direito a um julgamento justo por um juiz imparcial.
O caráter fraudulento das ações penais é verificável pela simples leitura técnica, jurídica e objetiva dos autos. Deparamo-nos com processos com um invólucro, uma maquiagem de ato jurídico e democrático de cumprimento da Constituição e das leis, mas cujo conteúdo material se mostra, agora de forma explícita e descarada, não ser jurídico, mas tirânico. Trata-se de uma ação política de persecução a um inimigo e, como tal, ele foi desumanizado.
Não se explica pela linguagem das competências, própria do Direito, a ação tirânica de perseguição ao inimigo. A explicação está no campo da política e, nesse âmbito, a razão evidente é que foi para impedi-lo de ser candidato à presidência em 2018, quando não tivemos eleições livres.
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A aventura autoritária partejou o bolsonarismo, responsável por números catastróficos de mortes na pandemia que assola o Brasil atualmente. Eis o resultado concreto, político, prático, da violação da Constituição e da democracia.
Apenas o reconhecimento da parcialidade do então juiz Sérgio Moro em todos os processos é capaz de restabelecer, no plano jurídico e político, a humanidade do ex-presidente Lula. Só assim ele recuperaria a sua cidadania formal – ou seja, a capacidade de se eleger e ser eleito – e material, qual seja o direito a ter direitos.
A desumanização ocorre escolhendo o inimigo e nomeando-o. É a linguagem que desumaniza o inimigo através do enquadramento em determinada categoria que subtrai qualquer individualidade.
A categoria que escolhida para o ex-presidente Lula foi a de corrupto. Concluir que o julgamento do ex-presidente Lula foi inválido por mera questão de incompetência territorial não possui o condão de liberá-lo totalmente da pecha de corrupto. Uma decisão dessa natureza pode reumanizá-lo no sentido jurídico, mas não na acepção ampla.
Temos que estar atentos a qualquer manobra no STF que procure retirar do ex-presidente Lula o direito de ser candidato em 2022 ou que suprima a sua condição humana na política.
Colunistas da mídia e declarações recentemente dadas pelo Ministro Edson Fachin cogitam a invalidação, por prejudicialidade, da recente decisão da Segunda Turma no sentido da suspeição do então juiz Sérgio Moro, bem como, eventualmente, a revisão da decisão que concluiu pela incompetência territorial da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba. Todas essas cogitações são desejos em tornar o Plenário do STF em agente soberano que produz medidas de exceção.
Qualquer julgamento do Plenário do STF que não permita a retomada da cidadania formal do ex-presidente Lula em sua plena elegibilidade e da sua humanização no plano jurídico, com o reconhecimento da parcialidade do então juiz Sérgio Moro, e do caráter injusto do seu julgamento, será um golpe contra a Constituição e contra a democracia.
*Pedro Estevam Alves Pinto Serrano é bacharel, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com pós-doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Ciência Política pelo Institut Catholique de Paris e em Direito Público pela Université Paris-Nanterre. Professor de Direito Constitucional e de Teoria do Direito na Graduação, no Mestrado e no Doutorado da Faculdade de Direito da PUC/SP.
**Carol Proner é bacharel, mestre e doutora em Direito Internacional pela Universidade Pablo de Olavide- Espanha, professora de Direito Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia -ABJD e do Grupo Prerrogativas.
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