Roberto Cláudio Rodrigues Bezerra*
Por definição, o sentido de nacionalismo está muito além do mero respeito e do valor dado aos símbolos da pátria. No caso brasileiro, o hino nacional e a bandeira representam uma nação que conseguiu, a duras penas, manter em território continental e único uma das maiores populações mundiais falando uma única língua. Considero essa uma conquista nacional a ser celebrada, reverenciando a memória de heróis e heroínas, mais ou menos conhecidos na historiografia oficial e que, ao longo desse tempo, travaram a luta pela independência, pela abolição da escravidão, pela República, pela formação do Estado, pelas ações empreendedoras e pelo voto universal como direito igualitário de escolha dos nossos representantes.
Entretanto, há outras dimensões mais recentes da construção nacional da nossa história que também merecem ser destacadas. Como, por exemplo, a luta pela retomada dos direitos democráticos em distintos momentos, por uma nova consciência em torno dos direitos humanos, pela ampliação da responsabilidade do Estado sobre a prestação de serviços públicos essenciais. E mais ainda, recentemente, a militância pela superação do racismo estrutural e do enorme fosso de oportunidades entre gêneros, pela reversão de preconceitos quanto à orientação sexual e para a busca de um desenvolvimento mais sustentável, com uma consciência ambiental mais ampliada acerca do impacto das nossas decisões individuais e coletivas.
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Somos, como as demais do globo, uma nação imperfeita e em dinâmica construção. Com cicatrizes mal curadas ao longo da nossa história, mas também com muito orgulho de traços e tradições que se consolidaram e são vistos mundo afora como característicos da nossa identidade nacional. Entretanto, é preciso moderação que nos livre de ufanismos, em especial nesses tempos tão graves e de tanta divisão que vivemos, para assim definirmos o melhor significado de ser um nacionalista.
Isso representa muito mais do que o óbvio respeito aos nossos símbolos, história e tradições. Envolve compreendermos melhor os nossos conflitos e contradições, mas, sobretudo, entendermos quais são verdadeiramente os interesses da nação brasileira. Isso pressupõe a razoável compreensão da grande diversidade de nossas ideologias, preferências ou desejos individuais, para que se construa, de maneira mais ou menos consensual em nível nacional, projetos de interesses coletivos prioritários.
E, na minha compreensão, já há, de algum tempo, uma enorme dificuldade de construção de grandes consensos nacionais, mesmo em torno do que parece simples, como a definição do que são os tais interesses nacionais.
O combate à inflação e o enfrentamento da fome (um vergonhoso fenômeno social do nosso País) são os dois últimos fatos históricos que conquistaram empatia, solidariedade e massivo apoio, especialmente pela gravidade dos momentos recentes do País. Considero que não houve nem haverá caminho seguro sem o papel moderador e coordenador da Política, sem a identificação clara das necessidades que sensibilizem os cidadãos de forma abrangente e sem a construção de alianças amplas com setores organizados da sociedade, garantindo legitimidade a essas ações.
Dentre distintas correntes do pensamento político tem se construído uma clara constatação de que o momento histórico do Brasil pode eventualmente servir como força catalisadora, após décadas de quase estagnação, para um projeto nacional em bases sólidas, que promova crescimento econômico duradouro e sustentável, ao passo em que consiga reduzir a nossa trágica desigualdade social. Isso representa um futuro cenário institucional e social que favoreça a geração de mais empregos, de expansão da renda média do brasileiro, de aumento das oportunidades para empreender localmente e de uma distribuição mais igualitária das riquezas em nosso país.
Considero que há caminhos para alcançarmos esse grande interesse da nação brasileira. Optar por um modelo próprio de crescimento nacional, baseado nas nossas oportunidades e conveniências, ao invés de replicar modelos internacionais que, deliberadamente, impõem obstáculos severos ao progresso de países com economias em desenvolvimento. Estabelecer um modelo de Estado nas suas respectivas relações com a sociedade e o próprio mercado, baseado nas nossas experiências históricas, nas nossas referências ideológicas nacionais e, principalmente, na superação das nossas desigualdades de acesso a oportunidades e direitos, em substituição à importação de referenciais teóricos internacionais que não resolverão nossas necessidades e contradições.
Temos que nos orgulhar das nossas próprias referências empresariais nacionais, sem submissão automática aos modelos de outras nações. Estabelecer políticas de industrialização e de comércio exterior que defendam os interesses nacionais, com avanço tecnológico próprio e aumento da produtividade da nossa indústria, ao invés de optar pela dependência internacional ampla e definitiva de bens manufaturados. Valorizar e proteger os nossos ativos e patrimônios nacionais, incluindo o vasto e diverso meio ambiente brasileiro, não cedendo à velha ladainha liberal, de “vender a preço de banana”, o que temos de valioso e soberano, em nome de uma falaciosa saída para a tal busca da eficiência fiscal.
Investir massivamente na produção de ciência e tecnologia nacionais e apoiar a criação de redes acadêmicas de referência, se contrapondo a uma política cara e antinacionalista que faz o Brasil abandonar os investimentos públicos nessa área. Não custa também relacionar a busca desse interesse nacional à necessidade de fortalecer nossa produção cultural brasileira, apoiando os nossos talentos nas diversas linguagens artísticas, além de estimular uma maior solidariedade e senso de engajamento cívico nacional, através de uma maior participação em associações e outros coletivos comunitários, como também de nossas escolhas de hábitos de consumo e de estilo de vida que prestigiem o contexto social e ambiental do nosso país, promovendo um sentimento de maior corresponsabilidade local.
Tudo isso dará muito mais sentido e concretude ao termo “nacionalismo”, hoje muito mais retórico e de simples respeito aos símbolos nacionais. Esse novo conceito é o que promoverá o mais heroico ato nacionalista que é o de defender e proteger a nossa gente, em tempos especiais de sofrimento, necessidades e escassez. Momentos duros como esses atuais podem servir para fazer florescer um verdadeiro e produtivo nacionalismo, com senso mais claro de união e convergências em torno dos interesses verdadeiramente nacionais!
*Roberto Claudio Rodrigues Bezerra, 45 anos, foi prefeito de Fortaleza duas vezes, de 2013 a 2020 e é presidente do Diretório Municipal do PDT. É médico sanitarista com PhD em Saúde Pública pela Universidade do Arizona.
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