Márcio Astrini* e Suely Araújo**
No meio da tragédia da crise sanitária da covid-19 e do desgoverno pelo qual passamos na política ambiental e em várias outras áreas de políticas públicas, duas pesquisas recentes nos mostraram resultados que, em princípio, trazem esperança. Com toda a cautela que temos de ter no quadro político atual, elas acenam para a possibilidade de haver espaço para se trabalharem avanços na retomada pós-pandemia, que incorporem mudanças na interação entre crescimento econômico, políticas sociais e proteção ambiental, e na atenção às mudanças climáticas.
A primeira pesquisa, uma parceria do IBOPE Inteligência com o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), realizada no segundo semestre de 2020 mas divulgada há dois meses, avaliou a percepção dos brasileiros sobre as mudanças climáticas. Os números surpreenderam positivamente. Parte deles: 78% dos brasileiros qualificam o aquecimento global como questão muito importante e 61% se apresentam como muito preocupados com o meio ambiente; 92% afirmam que o aquecimento global é uma realidade e 77% apontam que a ação humana é sua principal causa; 77% entendem que proteger o meio ambiente é importante, mesmo que isso signifique menos crescimento econômico e menos empregos.
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A segunda nos desloca para o universo parlamentar. Pesquisa realizada entre fevereiro e março de 2021 a partir de parceria entre Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), ACT Promoção da Saúde, Congresso em Foco, WWF Brasil e Observatório do Clima, no âmbito do Painel Parlamento Socioambiental, mostrou um Congresso Nacional preocupado com assuntos afetos ao socioambientalismo. Foram entrevistados 179 parlamentares, em amostra definida por sorteio considerando as duas Casas Legislativas, posição em relação ao governo, ideologia partidária, gênero e região.
Na resposta a uma pergunta aberta sobre qual é o principal problema ambiental do país, os parlamentares colocaram em evidência o desmatamento e o desgoverno. Também ganharam relevo a falta de saneamento básico e a precarização da fiscalização ambiental. De forma mais ampla, a pesquisa conclui que há uma insatisfação generalizada com o modelo de governança pública adotado no país para a política ambiental. Para 50,3% dos parlamentares, as políticas de meio ambiente e clima do governo Bolsonaro são ruins ou péssimas; apenas 24,5% as qualificam como boas ou ótimas. Entre os críticos, 33,5% dos parlamentares escolheram a opção “péssimas”.
Como no campo da política a conexão eleitoral tem forte poder explicativo de falas e atos, provavelmente os achados da segunda pesquisa conversam com os da primeira, do IBOPE/ITS, referente à percepção dos brasileiros. Resguardados nichos eleitorais específicos – notadamente os seguidores mais fiéis do atual Presidente da República –, parece ser negativo para um parlamentar expor posicionamentos que colidam frontalmente com a perspectiva de proteção socioambiental, pelo menos no discurso.
Questionados sobre temas específicos, as respostas dos parlamentares também evidenciam preocupação com matérias de cunho socioambiental, mas a análise fica mais complexa: 58,66% dos parlamentares manifestaram nível máximo de concordância com relação à afirmação de que a Reforma Tributária deve incluir regras que incentivem a sustentabilidade socioambiental; 36,87% manifestaram nível máximo de concordância com relação à afirmação de que as penas contra os crimes ambientais devem ser endurecidas, contra 11,73% se colocando no extremo oposto desse posicionamento. Em temas mais polêmicos, há divisão entre os parlamentares: 31,84% dos parlamentares manifestaram nível mínimo de concordância com relação à afirmação de que está no momento de aprovar uma lei regulamentando a mineração em terras indígenas, mas um número relevante deles, 21,79%, ficou com o nível máximo; sobre a afirmação de que está no momento de se aprovarem novas regras legais flexibilizadoras para a regularização fundiária em áreas públicas, 22,91% manifestou nível mínimo de concordância e 25,70% nível máximo.
Consideradas as pautas pró-meio ambiente e as contrárias ponderadas nos temas específicos inclusos na pesquisa, a média de apoio à agenda ambiental foi de 3,5 (num máximo de 5), o que pode ser considerado um resultado positivo. Também é relevante o resultado encontrado de que a fiscalização da atuação do Executivo na área ambiental é tema de destaque na percepção sobre o papel do Legislativo.
Pode-se dizer que o resultado da pesquisa sobre a percepção dos parlamentares, especialmente na visão mais geral de crítica à política ambiental do governo Bolsonaro, é coerente com a dificuldade encontrada pelo governo para aprovar alterações na legislação de aplicação no Congresso Nacional em 2019 e 2020. As principais iniciativas governamentais nesse sentido não lograram êxito: a Medida Provisória (MPP) nº 900, que pretendia concentrar os recursos da conversão de multas nas mãos do Ministro Salles, que ficou conhecida como “Fundão do Salles”, e a MP nº 910, que flexibilizava muito as regras para regularização fundiária em áreas da União , a “MP da Grilagem”, caíram por decurso de prazo. O Projeto de Lei (PL) nº 191/2000, que trata da mineração e outros empreendimentos em terras indígenas, permaneceu sem movimentação legislativa desde sua apresentação. Caíram por terra tentativas de alteração da Lei Florestal de 2012.
A dúvida é se, com a nova realidade política moldada pela maior aproximação entre o Poder Executivo e as Presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o posicionamento crítico dos parlamentares à antipolítica ambiental do governo Bolsonaro continuará se refletindo em barreira aos retrocessos na esfera do Legislativo. As “boiadas” mencionadas pelo Ministro do Meio Ambiente permanecerão restritas às normas infralegais?
Pelo menor consenso dos parlamentares quando apresentados a algumas das pautas específicas, e pelo posicionamento mais realista assumido por eles quando questionados quanto à probabilidade de aprovação de propostas legislativas concretas, o risco de haver perdas e serem concretizados retrocessos em 2021 é relevante.
Nesse contexto, a saída passa por aumento de mobilização, que considere os resultados da primeira pesquisa, do IBOPE/ITS. Como fazer prevalecer nas decisões dos parlamentares o posicionamento daqueles que eles representam? É o grande desafio que temos pela frente.
Para acessar a íntegra da Pesquisa de Opinião com os parlamentares e os demais relatórios e análises do Painel Parlamento Socioambiental clique AQUI
*Secretário-Executivo do Observatório do Clima.
**Especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.