Paulo Novais*
Alguns cientistas políticos, analistas e mesmo políticos se manifestaram com muita ênfase no sentido de que as alterações regimentais trazidas pela Resolução 21/2021 prejudicaram direitos da Minoria, chegando mesmo a dizer que o exercício da Democracia fora afetado.
Em que pese a boa intenção dos autores e comentaristas, creio que algumas questões precisam ser desmistificadas e alguns pontos das alterações melhor esclarecidos, sob a perspectiva do processo legislativo propriamente dito.
Em primeiro lugar não é qualquer alteração regimental que de alguma forma venha a impactar a Minoria, que permite concluir que a democracia foi afetada, no sentido de ter sido prejudicada. Algumas alterações, ou ajustes, podem significar exatamente o contrário, favorecer a democracia na medida em que trouxer mais razoabilidade ao processo legislativo. Em certa medida isso foi o que ocorreu com a Resolução 21/2021.
Há normas regimentais que alguns compreendem como direitos da Minoria, quando na verdade nada mais são do que procedimentos de um processo legislativo que se pretende imparcial, cujas determinações servem tanto a um lado quanto ao outro e principalmente ao objetivo colimado: uma produção legislativa democrática, sempre tendo em consideração que por mais que se queira atender a quaisquer das partes e por mais que os fins sejam meritórios, as normas precisam ter razoabilidade. (Nesse sentido vide artigo “Regimento interno da Câmara: instrumento do Processo Legislativo mais do que instrumento da maioria ou da minoria”[1])
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Há ainda uma confusão instaurada em relação ao que se concebe como “direitos da Minoria”. Esse tema veio ao espectro jurídico e político com maior repercussão quando o STF decidiu que a instalação de uma CPI é obrigatória uma vez atendidos os requisitos constitucionais, não podendo a eficácia desse direito constitucionalmente garantido ficar submetida à vontade do grupo majoritário (a Maioria). Isto significou exatamente que a eficácia de determinados direitos, cumpridos seus requisitos essenciais, não pode depender da vontade da Maioria ou do Presidente, etc. No entanto esse não é o caso da maior parte dos requerimentos procedimentais na Câmara, os quais, mesmo podendo ser apresentados por qualquer deputado individualmente, ou com apoiamento, só terão eficácia se aprovados pela maioria do Colegiado. Assim, não é porque um requerimento é utilizado na maior parte das vezes pela Minoria que se pode dizer que se trata de um direito da Minoria, antes deve ser considerado como uma ferramenta do processo legislativo, podendo ser utilizado tanto por um lado quanto por outro.
PublicidadeNa democracia representativa, uma premissa é básica: a decisão é no voto e ganha quem tiver maioria. Ocorre que essa premissa sozinha pode ser asquerosa, por terminar propiciando a “ditadura da Maioria”, popularizada por Stuart Mill, quando observou, em sua época, a formação de uma Maioria interesseira e arrogante, que fazia barbáries em nome da “legitimidade democrática” da decisão.
Daí a necessidade do estabelecimento de regras processuais que devem ser cumpridas no curso do processo até que se chegue ao desfecho fatal, inevitável – a decisão no voto. Esse conjunto de regras faz com que as decisões legislativas não ocorram sob o frio manto quantitativo do voto, mas permita que todos os apelos, todos os reclames e principalmente todas as razões sejam expostas, e tenham vez, e tenham espaço, aliás espaço procedimental e argumentativo igualitário, até à coleta dos votos.
É artificioso e desarrazoado achar que nesse caminhar do processo legislativo vencer pelo cansaço seja um direito da Minoria, pois isso foge à razoabilidade. Seria o abuso das prerrogativas regimentais com fim diverso daquele para o qual a norma foi concebida. Do mesmo modo é artificioso e desarrazoado achar que a maioria pode “tratorar”, simplesmente porque é Maioria, numa interpretação enviesada de prevalência da vontade da Maioria no processo e não no voto. (Nesse sentido vide artigo “Quando a ordem vira desordem no processo legislativo”[2].)
Assim, em face de análises escatológicas com relação à Resolução 21 talvez esteja faltando um contraponto, para demonstrar o que a Resolução 21/2021 trouxe realmente de necessário e de benéfico para o aprimoramento do processo legislativo.
Vamos a alguns pontos da Resolução 21/2021.
A primeira alteração refere-se ao art. 41 do Regimento, que proibiu a suspensão de reunião de Comissão por tempo indeterminado, limitando agora a, no máximo, uma hora. Antes da Resolução costumava-se suspender as reuniões indefinidamente, desarrazoadamente, às vezes por mais de uma dezena de horas, gerando inquietação e insegurança, pois a Minoria, principalmente, tinha que ficar de plantão e de prontidão para não ser pega de surpresa na retomada. Veio a Resolução 21 e pôs ordem na questão: Suspensão de reunião agora só até no máximo uma hora: há necessidade de se garantir segurança e previsibilidade no processo.
Em segundo lugar, a Resolução retirou a limitação do tempo da sessão do Plenário, anteriormente estabelecida em cinco horas sendo duas delas destinadas ao debate nacional e não à Ordem do Dia. Numa Casa onde as regras democráticas são eloquentes, onde se permite, por exemplo, a fala dos líderes a qualquer momento, uma vez por sessão (e são dezenas de líderes) é claro que três horas são exíguas para que se avance com a pauta. Assim, para igualar ao tratamento dados nas Comissões, onde já não existia limitação do tempo das reuniões, a Resolução estabeleceu o mesmo para o Plenário: as sessões terão o tempo necessário para esgotar a pauta. Desse modo, em vez de haver preocupação do Plenário com o prazo de encerramento obrigatório da sessão para se começar outra, com todos os seus consectários, o objetivo agora é se preocupar com o mérito, com o debate da matéria.
Em terceiro lugar, a alteração do § 1º do art. 117 simplesmente atualizou o regimento em relação ao que, na prática, já ocorria há anos, aproveitando também para colocar um ponto final na divergência que havia entre o mencionado dispositivo e o § 8º do art. 192, visto que cada um deles regulava de forma diversa a distribuição dos oradores no encaminhamento da votação. Assim, a alteração fez com que o art. 117, § 1º, passasse a ter o mesmo teor do que já dizia o § 8º do art. 192, ficando definido que haverá um orador favorável e outro contrário nos encaminhamentos, reduzindo agora de 5 para 3 minutos o tempo de fala. Note-se que a redução do tempo aqui não se refere à discussão, mas apenas ao encaminhamento de votação cuja matéria já teve a discussão esgotada.
A propósito, com relação à discussão, a alteração do § 3º do art. 157, se deu para ampliar de 2,5 para 3 minutos o tempo de fala e de 6 para 12 oradores, nas matérias urgentes, que são quase 100% das deliberações do Plenário, privilegiando o debate ao dar mais voz, não somente à Minoria, mas também à Maioria, tendo em vista que devem falar igualitariamente oradores favoráveis e contrários, alternadamente.
Em quarto lugar, a alteração trazida pelo parágrafo único do art. 155 estabeleceu que, se for aprovado um requerimento de urgência para apreciação imediata da proposição, não cabe apresentar, em seguida, requerimento para retirar da pauta essa mesma proposição, ou seja, não será votado um novo requerimento agora para “não apreciar imediatamente a matéria”, pois seria um contrassenso.
Em sexto lugar, a inserção do §3ª-A no art. 157 trouxe a racionalidade que há muito era exigida, ao estabelecer que não será apreciado requerimento para adiar a votação, se na mesma sessão os Deputados já tiverem aprovado o requerimento para encerrar a discussão e o encaminhamento da votação, pois se o Plenário acabou de decidir que quer encerrar a discussão é porque quer ir logo para a próxima fase, ou seja, quer votar a matéria.
Com relação aos destaques, as alterações ocorreram mais no sentido de fazer ajustes, quando alterou o art. 161, salvo sobre a extinção do destaque individual, que tinha pouca utilidade prática, e sobre o encaminhamento dos destaques, que reduziu de dois oradores favoráveis e dois contrários, para um orador favorável e um contrário, como já acontecia com todos os demais requerimentos. A alteração, apesar de ter reduzido um espaço de debate num ponto específico, proporcionou uma equalização normativa, tratando igualitariamente os dois lados.
Com relação à prejudicialidade, a inserção do inciso IX no art. 163 apenas veio estabelecer de forma específica o que o Regimento já pretendia genericamente. O Dispositivo acrescentado estabeleceu que, se o Plenário rejeitar um requerimento de retirada da proposição da pauta, por óbvio, não vai votar outro que requeira o adiamento da discussão dessa mesma proposição pois os dois têm o mesmo objetivo – adiar a apreciação da matéria – e ainda ressalvou algumas condicionantes especificas que possam justificar eventual apreciação desse segundo requerimento.
Novamente, nesse quesito, há quem diga que o direito de votar os dois requerimentos seria um direito da Minoria, intocável, pois vislumbrava-se aí uma possibilidade de obstruir o processo, tentando procrastinar o momento da votação, por meio do segundo requerimento. Ora, é impossível saber quais são os interesses que estão por trás de um requerimento apresentado, mas, no processo, a finalidade a ser defendida é a expressa na norma e não aquela fundada na subjetividade de quem a utiliza. Assim, quando qualquer deputado apresenta um requerimento de retirada de pauta, por exemplo, o que deve ser levado em consideração, regimentalmente, é que aquele Deputado quer “retirar a matéria da pauta”, pois é isto que vai ser submetido ao plenário, e nesse caso pouco importa se a intenção é obstruir o processo ou qualquer outra subjetividade. Assim, não se pode deixar de defender a razoabilidade da norma utilizando como fundamento argumentativo um eventual interesse subjetivo, não ostensivo, a que a norma possa estar servindo naquele momento. Mais uma vez a alteração da Resolução 21/2021 foi certeira trazendo mais razoabilidade ao processo, estabelecendo que não se votará outro requerimento com mesmo objetivo de um já rejeitado.
No mais, há duas outras alterações acerca das quais alguns também analisaram como um golpe contra os “direitos da Minoria”. A primeira diz respeito ao art. 177 e a outra ao art. 193, relativos aos requerimentos de adiamento da discussão e de adiamento da votação respectivamente. A regra anterior permitia, por exemplo, que numa matéria de tramitação ordinária poderia haver requerimentos de adiamento da discussão por até dez sessões. Naturalmente, quem queria obstruir apresentava dez requerimentos, um requerendo adiar por 10 sessões, outro por nove sessões, e assim sucessivamente, até chegar em uma sessão. Isso ocorreu até o advento da questão de ordem 162/2007, que trouxe um pouco de bom senso ao assunto, determinando que cada partido só poderia apresentar um requerimento de adiamento. No entanto, com a realidade da existência de dezenas de partidos, a insanidade ainda se mantinha, no sentido de que dez partidos diferentes poderiam fazer o plenário, com ampla maioria, votar dez vezes, dizer dez vezes que não queria adiar, nem por uma, nem por duas, nem por três sessões e assim sucessivamente, até chegar a 10. A resolução então, em boníssima hora, trouxe juízo à questão ao estabelecer que o Plenário pode apreciar requerimento único de adiamento por 5 sessões para matéria regimentalmente definida como ordinária; de três sessões para matéria em prioridade e de uma sessão para matéria urgente.
Assim, entendo que a Resolução 21/2021, considerando a maior parte das alterações que implementou, trouxe mais razoabilidade e chamou, de fato, o processo legislativo à ordem.
[1] https://congressoemfoco.uol.com.br/blogs-e-opiniao/forum/regimento-interno-da-camara-instrumento-do-processo-legislativo-mais-do-que-instrumento-da-maioria-ou-da-minoria/
[2] https://congressoemfoco.uol.com.br/reportagem/quando-a-ordem-vira-desordem-no-processo-legislativo/
*Paulo Novais é bacharel em direito, pós graduado em direito constitucional, possui extensão em direitos humanos; formado em filosofia; autor do livro Regimento Interno Facilitado da Câmara dos Deputado. Atualmente é secretário executivo de comissões na Câmara dos Deputados.
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