Charles Alcantara*
Progressividade. Essa é a palavra-chave para qualquer reforma tributária que se discuta, principalmente no Brasil, país que transborda desigualdade social e nutre um sistema extremamente regressivo. A proposta da segunda fase da reforma, em tramitação no Congresso Nacional, é um ponto positivo – embora em meio aos erros contumazes da equipe econômica de Paulo Guedes.
O aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas é um passo extremamente necessário para amenizar a tributação dos assalariados da parte de baixo da tabela, já sobrecarregados com os elevados impostos sobre o consumo. Por outro lado, penaliza parte considerável da classe média ao acabar com a simplificação na declaração do IR. Já os super-ricos, com isenção superior a 70% no imposto sobre a renda, continuam acumulando fortunas, enquanto manobram para obstruir qualquer possibilidade de virem a pagar impostos compatíveis com a sua renda e patrimônio.
Leia também
Organismos internacionais e potências econômicas indicam qual a saída para a atual crise: a tributação dos mais afortunados para sustentar políticas para as camadas mais vulneráveis. Aqui no Brasil, a proposta: “Tributar os super-ricos para Reconstruir o País”, apresentada pela Fenafisco e diversas entidades, mostra um caminho simples e exequível. Dentre as oito medidas sugeridas, duas aparecem na segunda etapa da reforma tributária, ainda que de maneira tímida em face da realidade brasileira – o aumento da isenção para o IR e a tributação de lucros e dividendos, extinta desde 1996.
Sem cobrar nada a mais da classe média e dos pobres, a Fenafisco propõe a isenção para os que recebem até R$ 2.861,00 por mês e a criação de quatro novas alíquotas para o imposto de renda – 30%, 35%, 40% e 45%, afetando apenas altas rendas, uma vez que a progressividade do IPRF estaciona na faixa entre 30 e 40 salários mínimos mensais, ponto a partir do qual o imposto passa a ser regressivo, em clara afronta à Constituição Federal, que estabelece que a progressividade é um dos critérios que informam o Imposto sobre a Renda.
O potencial arrecadatório dessa medida gira em torno de R$ 158 bilhões anuais.
PublicidadeA volta da tributação dos lucros e dividendos deve ser saudada, mas não há razão econômica, e menos ainda base jurídica, para que esse ganho auferido pelos acionistas de empresas não seja taxado tal como são taxadas as rendas do trabalho, até mesmo para dar cumprimento ao princípio constitucional da isonomia, vez que a Carta de 1988, ao atribuir à União a competência para instituir imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza, não concedeu privilégio tributário às rendas do capital.
Enquanto assistimos à pressão política exercida por rentistas, banqueiros, grandes empresários e grandes recebedores de lucros e dividendos, para manterem as coisas como sempre estiveram – ou seja, com os pobres pagando mais impostos que os super-ricos – as ruas do país se enchem de sem-emprego, sem-teto, sem-comida, sem-alento, mas com impostos a pagar.
Mais uma vez estamos deixando escapar a oportunidade de garantir justiça fiscal no sistema de impostos, mantendo o Brasil como um dos países mais desiguais do planeta e na contramão das experiências que deram certo em todo o mundo, inclusive nesse período de pandemia.
*Charles Alcantara é presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.