Por Ana Paula Abritta e Rebeca Lucena*
Nem sempre a produtividade da Câmara dos Deputados pode ser mensurada em matérias apresentadas e aprovadas. Muitas vezes, a Casa arquiva ou rejeita uma matéria que não está em consonância com o momento vivido pela sociedade, além de adiar uma discussão que ainda não está bem resolvida ou madura o suficiente. Dados obtidos pelo site da transparência da própria instituição ajudam a mensurar os resultados legislativos desde o início da pandemia de covid-19.
Ao longo de 2020, aproximadamente 27% das discussões no parlamento foram no âmbito da comissão externa de enfrentamento à Covid-19, totalizando 313 horas de debates. O maior palco de discussões manteve-se no plenário, contemplando 610 horas de debates.
Quatro outras comissões apresentaram carga horária superior a 15 horas de trabalho: queimadas em biomas brasileiros (35 horas), prisão em 2º instância (23 horas), comissão sobre a morte de João Alberto no Carrefour/RS (18 horas) e a comissão sobre a PEC 015/15 Fundeb (17 horas). As demais comissões representaram uma carga horária inferior às supracitadas e, consequentemente, tiveram uma representatividade menor dos debates ao longo do ano.
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Tal fato se justifica pela nova forma de trabalho dos deputados, considerando o distanciamento social e a adoção de novas ferramentas on-line, como o Sistema de Deliberação Remota (SDR). Este, por sua vez, foi aprovado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados ainda em março de 2020 como uma medida para continuar os trabalhos considerando a realidade imposta pela pandemia. Cabe ressaltar que o SDR foi instituído para garantir o funcionamento do plenário durante o período de emergência sanitária por meio da plataforma de videoconferência Zoom, que foi adaptado ao Infoleg para as votações das proposições em discussão.
Nesse contexto, os trabalhos das comissões deliberativas foram deixados em segundo plano por dois motivos: para priorizar e centralizar a deliberação de matérias relacionadas ao combate do coronavírus, como medidas de auxílio social e de saúde pública no plenário; e por necessitar da eleição dos presidentes das Comissões e instalar os colegiados – que até então não estavam contemplados no Sistema de Deliberação Remota.
PublicidadeNo total, foram computadas 1.109 horas de debates e votações na Casa, a menor taxa desde 2014, o primeiro ano com resultados legislativos mapeados no portal de transparência da Câmara. O segundo ano com menor carga horária computada foi 2018, com 2.893 horas, 38% a mais que o ano passado.
Apesar do quantitativo de horas de debate despendidas na Câmara, a aprovação de matéria legislativa também deve ser levada em consideração. Das três áreas mais votadas desde 2014, Política e Administração Pública consta em primeiro lugar por todo o período analisado e, inclusive, já ocupa o primeiro lugar do podium em 2021. O segundo lugar é ocupado por projetos de Ciência e Tecnologia da Informação e Comunicação, com exceção de 2018, em que o segundo lugar foi ocupado pela temática de Direitos Humanos.
Em 2020, Saúde ocupou o segundo lugar. A predominância do terceiro lugar de 2014 a 2020 foi a temática de Direitos Humanos, com exceção de 2017, em que Educação, Cultura e Esportes o ocupou, e em 2018, em que Ciência e Tecnologia da Informação e Comunicação conquistou o seu lugar como área temática.
Em 2021, Saúde já não ocupa mais seu lugar no Top 3. As áreas temáticas apresentam uma dispersão entre: Política e Administração Pública, Ciência, Tecnologia e Comunicação, e Educação, Cultura e Esportes.
Além da carga horária e das áreas temáticas mais votadas, o quantitativo de projetos aprovados, seja em plenário ou seja em comissões terminativas, é um indicador relevante para análise dos resultados da Câmara. O ano de 2020 apresenta o menor resultado de propostas aprovadas em comissões terminativas, com o montante final do ano em duas propostas aprovadas.
Já o plenário apresenta 179 propostas aprovadas e nenhuma rejeitada. Em 2014, tivemos o menor quantitativo de propostas aprovadas em comissões até 2020, com 743 propostas aprovadas. Já o plenário, em 2014, aprovou 97 propostas.
Ainda que a amplitude do debate democrático e as oitivas à sociedade não tenham contribuído para os resultados da Câmara dos Deputados de 2020, apesar das adversidades apresentadas pela pandemia e do isolamento social; os trabalhos do Legislativo demonstram um viés consensual maior do que o esperado, vide as aprovações do plenário que, em termos de volume, só perderam para o ano de 2015, em que 187 propostas foram aprovadas.
De acordo com os dados levantados e apresentados anteriormente, nota-se que, apesar das dificuldades operacionais impostas pela pandemia, a Câmara conseguiu aprovar matérias importantes para o enfrentamento ao coronavírus e para amenizar os impactos negativos nas áreas da saúde e economia.
Entre as medidas, destacam-se a aprovação do auxílio emergencial, apoio financeiro para estados e municípios; distribuição de merenda escolar para famílias dos estudantes, apoio a agricultores familiares, além de iniciativas voltadas para a área da saúde e proteção de trabalhadores e pequenas e médias empresas.
Apesar dos avanços, vale a reflexão acerca da construção de diálogos e debates de matérias consideradas caras para a sociedade de forma geral. O tema acaba sendo contraditório quando pensamos no acesso às discussões, uma vez que a presença física em Brasília, nos corredores e no “tapete verde”, acabou sendo impossibilitada.
No início da pandemia notou-se uma diferença em termos de acesso com gabinetes se adaptando à nova realidade com agendamento de reuniões on-line em maior ou menor grau. Com o passar dos meses da nova realidade imposta, a tendência foi, de certa forma, pacificada e os trabalhos foram conduzidos de forma virtual.
Especialmente considerando o avanço da segunda onda que trouxe novas restrições de acesso. Nesse sentido, houve um esforço conjunto do setor público, associações e entidades de classe, terceiro setor e até mesmo da sociedade para se ajustarem a esse formato, acompanharem as deliberações da Câmara dos Deputados e defenderem seus interesses.
Ao mesmo tempo, algumas críticas sobre esta forma de trabalho remanescem e precisam ser avaliadas com cautela, ainda mais quando consideramos que um em cada quatro brasileiros não possui acesso à internet. Assim, uma parcela relevante da população – 46 milhões de brasileiros – está distante das discussões e da construção de diálogos com a Câmara dos Deputados. Tal aspecto precisa ser considerado sobre a ótica da democracia e novas formas de inclusão devem ser debatidas para que as deliberações realmente reflitam o interesse e a vontade de uma maioria – e não de uma minoria com maior poder de acesso.
O foco deste artigo não é tecer críticas ao novo modelo de trabalho imposto pela pandemia. Cabe destacar novamente os avanços e esforços feitos pela Câmara dos Deputados em aprovar medidas que minimizassem os impactos negativos que a pandemia vem causando no país. Ao mesmo tempo, medidas que demandam uma maior discussão e que trazem consequências para toda a sociedade, como a Reforma Tributária, precisam ser debatidas com maior amplitude e acesso democrático.
*Ana Paula Abritta e Rebeca Lucena são gerentes de Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados.
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