Adriana Sforcini Lavrik Esper e Glauco Moreira*
O balzaquiano Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabeleceu um marco fundamental para o amadurecimento e evolução das relações de consumo no País. Ao longo das suas três décadas muitas mudanças aconteceram nas relações de consumo, impulsionadas, principalmente, pelo avanço da tecnologia.
O CDC, contudo, manteve sua relevância frente aos novos desafios, mormente por ter entre seus princípios o da harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico.
E não é à toa que o item tecnologia foi contemplado no CDC. Na época da sua promulgação estávamos embarcando na chamada “era digital” (ou da informação), caminho sem volta que culminou na popularização da internet e na convergência dos meios de comunicação. Neste contexto surge o Consumidor 4.0, protagonista de uma nova relação de consumo diretamente relacionada ao Big Data, fruto do farto volume de informações e dados que passaram a circular pelo mundo digital.
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O Big Data se tornou um elemento muito importante na condução da economia, sendo uma ferramenta valiosa para aumentar a base de clientes das empresas, como também retê-los e melhorar a qualidade desses relacionamentos.
Se em 1990, quando o CDC entrou em vigor, as empresas diziam que “o cliente sempre tinha razão”, com o Big Data, os consumidores passaram a ser um produto. Em 2009, Meglena Kuneva (Comissária Europeia do consumo) alertou: “os dados pessoais são o novo óleo da internet e a nova moeda do mundo digital”.
Tal afirmação sintetizou o entendimento sobre o quão valiosos passaram ser os dados pessoais dos consumidores. Ficava claro que as normas então existentes, inclusive aquelas reguladoras do consumo, precisavam ser adequadas para esta nova realidade. Assim, em 2018 entra em vigor na União Europeia o General Data Protection Regulation (GDPR), regulamento que visa proteger os dados pessoais dos residentes da Comunidade Europeia, e tem inspirado normas que estão florescendo mundo afora.
Foi nesse contexto que, em agosto de 2018, promulgou-se a nossa Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Os fundamentos e os princípios da LGPD trouxeram mais segurança às relações de consumo na era digital. A LGPD não apenas aprimora e expande as regras de transparência e direito de acesso à informação que o CDC já previa, como também estabelece outros mecanismos de proteção do titular dos dados, ao dispor sobre a adoção de programas de governança de privacidade, além de medidas preventivas e mecanismos de compliance necessários para o cumprimento da lei e da efetiva demonstração de conformidade (accountability).
Sob essa perspectiva, os objetivos do CDC e da LGPD são convergentes, complementares e fortalecem os princípios de informação e transparência tão caros ao direito do consumidor. E isso é muito bom para o mercado consumerista.
Em tempos em que o dado vale mais do que o petróleo, a regulação do ambiente digital e sua correta adequação se fazem necessárias. A chegada da LGPD traz o desafio de gestão da conformidade no mundo digital, na qual as empresas terão que se adaptar a uma nova realidade e o CDC poderá ser um grande aliado nesse processo.
A adequação se faz necessária e urgente. O mercado está de olho e as empresas que não estiverem em conformidade com a LGPD pagarão um preço bem alto, como já está acontecendo na União Europeia. Embora as penalidades da LGPD, que podem chegar a R$ 50 milhões, começarão a ser aplicadas apenas em agosto/2021, muitas reclamações consumeristas já estão se embasando na nova lei, e algumas sentenças judiciais também.
O Big Data pode ter tornado os dados pessoais em um produto, mas eles continuam pertencendo ao consumidor que, mesmo sendo 4.0, continua tendo razão (lógico, nos limites da lei).
*Adriana Sforcini Lavrik Esper é advogada e professora, com expertise em privacidade de dados, direito digital e tecnológico., membro da Comissão de Compliance e da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB- SP; Glauco Moreira é advogado, mestre em Computer and Communications Law pela Universidade de Londres, sócio do escritório Miguel Silva & Yamashita Advogados, com experiência internacional no assessoramento de empresas em questões de natureza comercial, contratual e regulatória.
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