Gerson Leite de Moraes*
Chamou a atenção, na última semana, uma declaração do ex-presidente Lula comentando a necessidade do PT em se reaproximar do segmento evangélico. De igual modo, chama a atenção, também, as mais recentes pesquisas sobre o crescimento evangélico no Brasil, que mostram que este grupo religioso conseguiu ocupar um espaço importantíssimo no cenário nacional, seja na construção de uma narrativa pautada pelo conservadorismo nos costumes, seja na sua enorme capilaridade no campo da política.
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Sobre este assunto que envolve não só o PT, mas toda a esquerda e suas relações com os evangélicos, algumas ponderações precisam ser feitas. A primeira delas é que, assim como não há uma única esquerda, também não há uma “única” igreja evangélica. Por mais que algumas lideranças de setores evangélicos tentem vender a imagem de que são representantes e porta-vozes oficiais de todos os ditos “evangélicos brasileiros”, na prática, o que se tem é uma miríade de denominações e ministérios religiosos independentes, portanto, quando algum pastor aparece na TV, no Rádio ou na Internet falando por todos os evangélicos, isto não passa de um embuste.
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Diferentemente da Igreja Católica, que apesar de diversa em si mesma segue uma orientação única que é emitida, seguida e obedecida (tudo isso em tese, porque na prática sabemos que uma coisa é a voz oficial, outra é o acolhimento desta) porque é emanada diretamente do Bispo de Roma, a chamada Igreja Evangélica não possui tal poder centralizado. Funcionando como uma espécie de federação acéfala, as igrejas evangélicas unem-se, em primeiro lugar, no Brasil, por serem anticatólicas. A ideia de uma Igreja Evangélica una funciona do ponto de vista midiático e mercadológico, mas na prática do dia a dia é um equívoco.
O crescimento dos evangélicos, principalmente do segmento pentecostal – lembrando que entre os evangélicos há os protestantes históricos também -, é um fenômeno típico do século XX, fato verificado em muitos países, principalmente na América e África, com reverberações também em alguns lugares da Ásia. Enquanto os pentecostais reviveram a força do cristianismo em alguns lugares do mundo, a Europa viu a secularização crescer de maneira galopante com muitas propriedades eclesiásticas se transformando somente em locais de visitação turística ou sendo vendidas para iniciativa privada.
No Brasil, especificamente, o crescimento evangélico/pentecostal foi verificado ao longo do século passado todo, mas intensificou-se com o processo de urbanização a partir da década de 50 e com o acesso destes grupos a concessões de canais de Televisão e emissoras de Rádio. Aliás, isto explica a inserção ativa dos grupos religiosos no campo da política, pois com a Constituição de 1988, a prerrogativa de concessões passou para as mãos dos Deputados Federais, antes essa era uma função específica do Executivo Federal. Até aquele momento, o discurso era que “crente” não se envolvia em política, a partir de então, este discurso sumiu do horizonte e o que se verificou foi cada vez mais alguns pastores evangélicos trabalhando para eleger os seus representantes para cargos públicos, visando aquinhoar capital midiático que poderia potencializar o crescimento de suas igrejas.
Diante deste cenário, como a esquerda poderá se reaproximar dos evangélicos? Pode-se dizer que, não havendo um poder centralizado entre os evangélicos que os represente politicamente, o que de fato os une é uma identidade que provém de um determinado discurso, de uma determinada narrativa. Não era incomum nos governos do PT, a presença de evangélicos, o que mudou de lá para cá? A proximidade da esquerda com uma pauta progressista, principalmente com a agenda LGBT (casamentos homoafetivos, identidade de gênero, transexualidade, etc.) criou na mentalidade evangélica uma aversão ao programa da esquerda, pois isso foi recebido como um ataque frontal à célula mater da sociedade, que é a família. A Direita explorou isso muito bem, gerando um pavor no segmento religioso evangélico. Se o PT e a esquerda quiserem se reaproximar dos evangélicos, terão que fazer escolhas entre uma pauta progressista ou conservadora, ou, ainda, tentar criar pontes entre as duas, na expectativa de construir espaços de diálogo e convivência. A tarefa não é simples, mas é necessária e faz parte do jogo da política.
* Gerson Leite de Moraes é graduado em Teologia, fez mestrado em Filosofia, Doutorado em Ciências da Religião e é Prof. de Ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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