Por Ricardo Trípoli*
Liberação de garimpo em área indígena é retrocesso brutal, inimaginável mesmo nos tempos da ditadura militar. O país nunca viveu tantos abusos contra os direitos indígenas como agora.
O Brasil está voltando ao passado. Em menos de três anos, retrocedemos quase um século. Afinal, quem imaginaria que em pleno 2022, estaríamos discutindo no Congresso a permissão do garimpo em áreas indígenas, como se estivéssemos revivendo a corrida do ouro dos séculos 17 e 18?
Desde o início da República, nunca a busca predatória por minérios em terras indígenas foi feita no Brasil com o beneplácito ou o apoio do governo federal. É um caso raro em que o Exército brasileiro, que teve entre suas fileiras o Marechal Cândido Mariano Rondon, ele próprio um filho de índios bororo, esteja hoje não apenas estimulando, mas fazendo vistas grossas à invasão de áreas indígenas.
No início de abril, correu no mundo a notícia de que Roraima vive um novo boom de mineração ilegal de ouro encravada na Terra Indígena Yanomami, a maior reserva do Brasil. A Associação Hutukara Yanomami revelou que houve aumento de 46% do garimpo predador e selvagem em 2021 em rios da reserva onde vivem 29 mil índios yanomamis.
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Sob o atual governo, descrito pela mídia internacional como liderado por um extremista de direita, inimigo da preservação ambiental e dos povos da floresta, a mineração em terras indígenas não vem sendo apenas incentivada como jamais é punida por agentes da fiscalização e da lei, mesmo com a legislação sendo taxativa e clara ao proibir tal exploração.
Daí que 8 mil indígenas de 200 grupos tomaram a capital do país em 11 de abril para protestar contra o Projeto de Lei 191/2020, entre outras aberrações, de autoria do governo federal, que regulamenta a exploração de recursos minerais em terras indígenas.
A proposta está em tramitação na Câmara dos Deputados e é claramente inconstitucional e imoral, colocando em risco a existência dos povos indígenas. O projeto permite que as áreas sem demarcação deixem de ter autorização do Congresso para a exploração de recursos hídricos e riquezas minerais.
O PL 191 altera os artigos 176 e 231 da Constituição para estabelecer condições especiais para mineração e outras atividades econômicas em terras indígenas — incluindo exploração de petróleo, construção de hidrelétricas e projetos de agricultura. A proposta é um retrocesso porque, além de permitir atividade comercial predatória em áreas preservadas, o PL retira dos povos tradicionais o direito de uso pleno de áreas demarcadas. Como se não bastasse isso tudo, o proposta viola tratados internacionais assinados pelo Brasil.
Em 12 anos como deputado federal, nunca vi o governo federal ser o primeiro a incentivar a exploração criminosa e ilegal de reservas indígenas. Pela primeira vez, o Estado deixa de ser o responsável pelo bem-estar, guardião da preservação e dos direitos dos povos indígenas para ser o seu algoz e carrasco. O projeto ameaça pelo menos 863 mil km2 na Amazônia e pode causar prejuízo anual de US$ 5 bilhões, segundo um estudo de pesquisadores brasileiros e australianos publicado na revista científica One Earth.
A exploração mineral está prevista em dispositivos da Constituição, mas só poderiam ocorrer em áreas por meio de lei específica, com autorização do Congresso e consulta às comunidades. O PL 191 ignora tudo isso e vai contra o Estatuto do Índio, que afirma, no artigo 18: “Terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas”.
Não é possível que, sob a chancela e incentivo do governo federal, a sociedade, líderes políticos e representantes do povo — além de membros do Judiciário — não se sensibilizem para tamanha ameaça que paira sobre a Amazônia e os povos indígenas. É grave e imoral o que o governo está propondo. E inaceitável!
*Ricardo Trípoli é ambientalista e advogado, foi deputado federal pelo PSDB de São Paulo.
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