Por Paulo Józimo Cunha*
Encerramos o ano de 2020 com expectativas de um novo cenário para 2021, afinal este seria o ano das vacinas, do retorno de atividades presenciais, enfim, aguardava-se a retomada do crescimento da economia, por exemplo. Logo no começo do ano, a tristeza com os acontecimentos de 2020, abria espaço para um sentimento de esperança, permeado pela noção de que nossas instituições públicas (sejam elas integrantes dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário), encampariam medidas e políticas com vistas a recuperação de empregos, saneamento de passivo empresarial ou que fosse facilitado o aumento de investimentos. No campo tributário, 2021 foi marcado por muitas frustrações, justo quando ainda se necessitava de uma ação mais incisiva do poder público de suporte e apoio ao setor produtivo.
No primeiro trimestre do ano, o ministro Paulo Guedes anunciou que um dos “braços” da reforma tributária seria o chamado “passaporte tributário”. Nas explicações concedidas, por diversas vezes, foi equiparado a um “quase perdão fiscal”, tomando por base a queda de faturamento das empresas durante o período da pandemia covid-19. Em um café da manhã com o grupo “Coalização da Indústria” chegou a afirmar que o desconto atingiria 80% do valor devido.
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O nome escolhido “passaporte tributário” era referência a uma espécie de tíquete de acesso, ingresso ou crachá para que a empresa pudesse sanear (ou planejar) o passivo para com o Fisco e se organizar para o novo terreno fiscal que nasceria após a realização das quatro etapas planejadas para a reforma tributária.
Com o transcurso deste ano, percebemos que o “passaporte tributário” não tinha nada de novo ou de “perdão fiscal”, tampouco que a progressão do desconto no valor da dívida levaria em consideração a queda de faturamento da pessoa jurídica. Trata-se apenas do PL nº. 4728/2020, que reabre o “PERT – Programa Especial de Regularização Tributária” este vigente ao fim de 2017 e começo de 2018, por meio da Lei nº. 13.496/2017. E aqui cabe uma observação: a variação de descontos atinge unicamente os juros, multas e demais encargos legais, em nada se aproximando de remissão fiscal, esta sim um “perdão”.
Sobre este ponto, vale parafrasear o jogador de futebol Vampeta, que ao ser questionado por jornalistas sobre o mau desempenho de seu time em uma partida disse, “eles fingem que me pagam e eu finjo que jogo bola”, mais ou menos isso. Os programas de refinanciamento (Refis), se por um lado criam um sabor de saneamento e organização do passivo tributário no curto prazo, por outro lado, a médio e longo lapso temporal já se mostram ineficazes, pois as empresas não conseguem manter o pagamento das parcelas em dia por 120, 150 ou 180 meses. Estes programas são excelentes para àqueles que irão quitar eventuais débitos à vista, contudo, sabemos que esta não é a realidade da grande maioria das empresas no país.
PublicidadeFalta aos nossos líderes políticos a compreensão do momento que as empresas passam no país. Afinal, de que adianta ser credor de R$ 1 milhão se o devedor tem R$ 1.000 para quitar?
Na opinião deste que vos escreve, o real “passaporte tributário” deveria carregar em si, um verdadeiro reboot ou reset, trazendo a possibilidade de “perdão” (como a remissão tributária), aliada às ferramentas de transação, negócio jurídico processual ou, até mesmo, dação em pagamento, de forma que o governo tenha uma arrecadação, ainda que mínima, mas que o contribuinte possa ingressar em um novo ambiente tributário pós-reforma, sem as amarras ou alavancas do sistema anterior.
No último dia 09/12/2021, a Câmara Federal aprovou urgência ao PL nº. 4728/2020. Logo, possivelmente, teremos novidades sobre este assunto.
Ali, por volta de maio e julho, foi apresentado à Câmara Federal o PL n°2337/2021, que encampa a 2ª fase das proposições de reforma tributária, alterando as disposições do Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (a 1ª fase está no PL n°. 3887/2020, que institui a CBS em lugar do PIS e COFINS). Esse projeto traz em seu bojo a “polêmica” tributação dos Lucros e Dividendos distribuídos da pessoa jurídica para a pessoa física dos sócios.
Sob o argumento de que o Brasil estaria na contramão de outros países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, a discussão foi levada adiante em cenário de pandemia, com empresas voltadas à retomada das atividades, preocupadas com os cuidados de funcionários e clientes com eventuais contaminações ou recontaminações, enfim, a chave não estava virada para questões de ordem tributária e sim para a economia. Dessa maneira, no mínimo açodado este tipo de debate.
Entretanto, em setembro, foi aprovado o texto-base com 398 votos a favor e 77 contra, alterando principalmente os seguintes pontos: (I) redução da alíquota do IRPJ para 8% e da CSLL em 1% já a partir de 2022; (II) tributação dos lucros e dividendos distribuídos em 20%; (III) as empresas do Simples Nacional ou do Lucro Presumido (estas com faturamento abaixo de R$ 4.8 milhões) estariam excluídas da tributação de lucros e dividendos; e, (IV) para o IRPF, a manutenção do Desconto Simplificado, com redução do limite de dedutibilidade de R$ 16.754,34 para R$ 10.563,60.
O projeto encontra-se na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal e já recebeu pedidos de emendas que visam, inclusive, a tributação de lucros e dividendos recebidos por sócios de empresas, que contenham profissionais liberais em sua composição societária como médicos, advogados, dentistas, entre outros, que estavam, em sua maioria, excluídos, do texto-base aprovado pela Câmara. A se acompanhar os próximos desdobramentos.
Ainda tratando dos acontecimentos do campo Legislativo e Executivo, tivemos a famigerada PEC 23/2021, a “PEC dos Precatórios”. Em 08/12/2021, o Congresso Nacional promulgou a EC 113/2021, que tem como função máxima viabilizar o pagamento e aumento do “Auxílio Brasil”, programa social do Governo Federal. Com a aprovação, foi liberado espaço fiscal de R$ 64,9 bilhões no Orçamento de 2022, por conta dos ajustes na forma de atualização do teto de gastos. Ainda há um desdobramento desse debate, que pode gerar um espaço fiscal adicional de quase R$ 50 bilhões para a mesma finalidade.
Apesar do apelo social, essa medida cobra um preço caro para a nossa sociedade como um todo: o da falta de credibilidade!
A limitação do quanto a ser gasto com precatórios, por exemplo, representa em verdadeiro “calote público”, e pior, institucionalizado. Isso porque, a maior parte dos precatórios de grande valor devido pela União, por vezes, é decorrente de grandes investimentos que foram feitos em diversos setores da economia. A admissão do “devo, não nego, pago quando puder” desencadeará em fuga de capital do país, consequência lógica de tal comportamento.
Por outra via, representa em insegurança jurídica, uma vez que o Poder Público está se opondo ao cumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado. E fora que, indiretamente, esfria um segmento que estava em franco crescimento, o da compra e venda de precatórios. O instituto da transação tributária, por exemplo, permite o uso desse título como instrumento de negociação. A forma em que foi promulgada a EC 113/2021 aumenta o deságio sobre o valor nominal do crédito a ser recebido pelo credor, uma vez que, a depender do caso, não se sabe ao certo quando será adimplido.
Fica a esperança de que diversas entidades de classe, entre elas a OAB, possam questionar a constitucionalidade das medidas tomadas. Mas, ao mesmo tempo, nasce um receio a ser pesado: caso sejam deferidas cautelares suspendendo a eficácia dos novos dispositivos, que não prejudiquem a Lei Orçamentária Anual para o ano de 2022, que já foi aprovada pelo Congresso Nacional, pois caso contrário, possível que nem os créditos que não se enquadram no texto da EC 113/2021 sejam adimplidos.
O Poder Judiciário também faz parte do rol de atores que impuseram derrotas sensíveis ao contribuinte brasileiro. Dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) revelam que o percentual de êxito da Fazenda Nacional beira 80%, com relação às teses surgidas no âmbito da pandemia, isto em maio de 2020. Por outro lado, as últimas teses discutidas por STJ e STF reverberaram em vitórias para a União, como a incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias ou a inclusão do ICMS e ISS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) que, neste último caso, poderá gerar obrigação de o contribuinte devolver valores aos cofres públicos.
Mas, a grande derrota imposta aos contribuintes no ano de 2021 foi a modulação dos efeitos do Recurso Extraordinário (RE nº. 574.706), que reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, por não integrar o conceito de faturamento para fins de incidência das referidas contribuições. Basicamente, àqueles contribuintes que ingressaram com suas ações após 15 de março de 2017 só poderão se utilizar do efeito futuro desta decisão, não podendo restituir os últimos 60 (sessenta) meses anteriores pagos indevidamente.
Com o argumento de que a manutenção do resultado do plenário ocasionaria prejuízos da ordem de R$ 250 bilhões, a Fazenda Nacional conseguiu via embargos de declaração modular os efeitos do julgado final. Mesmo com as ressalvas da ministra Rosa Weber, de que o citado valor não tinha qualquer amparo em critérios objetivos, o Plenário do STF entendeu por acolher em parte a oposição, nos termos que colocamos acima.
Para os contribuintes fica um questionamento inevitável: será que a União foi efetivamente derrotada nesta questão? Só o tempo poderá nos responder tal pergunta. O que pode ser dito neste momento é que o debate em torno do RE nº. 574.706 ainda não restou encerrado, isto porque, embora transitado em julgado, novos questionamentos surgiram no decurso do ano, como: para aqueles que podem restituir, a incidência do IRPJ se dá na habilitação do crédito ou na homologação desta? Ou ainda, em caso de ação rescisória por parte da Fazenda, a contagem do prazo a tanto se dá do trânsito em julgado da ação própria, ou do resultado da modulação em maio de 2021? A Receita Federal poderá não homologar restituição ou compensação realizada com base em decisão judicial transitada em julgado em conflito com a modulação anotada pelo Plenário do STF?
Estes foram alguns acontecimentos da área tributária no ano de 2021. Há tempos que a pauta econômica, legislativa e judiciária do país é tomada por estes temas e debates. Portanto, 2022 não será diferente! É continuar acompanhando o tratamento das 4 fases para a reforma tributária e o que será objeto de discussão pelo Poder Judiciário. Não podemos esquecer que ano que vem terá Copa do Mundo e Eleições, o que demanda ainda mais atenção por parte de todos que se preocupam, para que medidas intempestivas, ou até mesmo ilegais não sejam praticadas.
* Paulo Józimo S. T. Cunha é advogado especialista em direito tributário, fundador do canal “Descomplica meu Imposto”, professor e sócio do escritório Collares Cunha Advogados.
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