E a Cristiane Brasil, heim? Naquela brisa, com aqueles bombadões, no macio azul do mar, sei não… Se o futuro não me trair, tudo indica que aquele barco, que já vinha adernando, emborcou de vez.
Na condição de professor universitário na área de Comunicação, especializei-me em Telejornalismo mas arranho um pouco na área de Análise de Conteúdo. Em atenção aos fãs que me imploram rasgando as vestes e se esvaindo em prantos, concordei em fazer breves considerações sobre o episódio do momento, intitulado: “Cris Brasil e sua frota de alexandres”. Silêncio: a aula começou.
Segundo Ferdinand de Saussure, semiologia é a ciência que tem como objeto todos os sistemas de signos, incluindo ritos e costumes, bem como todos os sistemas de comunicação vigentes na sociedade. A análise que estamos iniciando tem por base essa definição de Saussure. Envolve dos aspectos visuais aos auditivos; da ambientação à indumentária (a roupa fala e a falta dela também!); passando, naturalmente, pela oportunidade da mensagem; o texto, o subtexto e o contexto, considerados os objetivos mediatos e imediatos; a oportunidade da intervenção; os efeitos pretendidos pelo enunciador e, claro, de como a mensagem terá sido captada pelos enunciatários. – Quanto arroto de erudição! Menos, né, PJ! Ok, desculpa aí. Tentarei simplificar para alcançá-los, meus amores. Sorry.
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O visual fala de quem fala
Em qualquer mensagem, é preciso considerar o que quero comunicar e qual é o meu destinatário. Uma pesquisa ali na bodega vai demonstrar que o público (destinatário) anda de nariz torcido diante da indicação de uma pessoa processada por delito trabalhista pra comandar o Ministério do Trabalho. Tal como torceria o nariz se tivesse sido multada por fazer gato de TV a cabo e fosse dirigir o Ministério das Comunicações. Ou seja: mesmo que Cris não tenha barba, e parece que não tem, a hora exige que ela as ponha de molho. Qualquer neófito em política sabe quando é hora de evitar aparições públicas. Portanto, seu primeiro erro foi ter produzido a peça. O segundo, tê-la divulgado.
Os erros seguintes têm a ver com a forma do, digamos, filme publicitário que ela protagonizou. De um(a) postulante a um cargo de tal importância, espera-se um mínimo de compostura. Portanto, deveria ter escolhido um cenário adequado – um escritório ou uma sala. Não se trata de moralismo, mas de adequação visual aos costumes dos destinatários. Se ela fosse uma concorrente a presidente do Sindicato dos Surfistas, a locação estaria perfeita. Mas se propõe a ser ministra do Trabalho. Não tinha nada que se deixar filmar num barco em pleno mar, cercada de homens bombados com o peito nu. Anotar e guardar: o visual fala de quem fala. Para os mais pobres, que nesta confusa Pindorama constituem a maioria da população, o visual do barco de lazer foi traduzido como ostentação agressiva a quem tem de suar sangue pra pagar uma mísera passagem na barca Rio-Niterói.
Já viu o papa de short?
Voltemos à sala ou ao escritório que sugerimos como alternativa. Se fosse num desses espaços, nada impediria a presença de empresários e seus depoimentos de apoio. Aliás, são mesmo empresários? Quais os nomes deles? E os de suas empresas? Nesse caso, deveriam se apresentar vestidos conforme a expectativa e os costumes do público destinatário da mensagem. – Ah, mas o visual não tem nada com o conteúdo do que se diz! Claro que tem. Só tem. Já viu o papa de short falando aos fiéis no parlatório? Nem vai ver.
Que subtexto visual passa da imagem dos bombadões de peito desnudo? Que ela está cercada dos que provavelmente irão assessorá-la no ministério que postula. Ou que são companheiros de farra. Ou de outra coisa. Do ponto de vista da credibilidade é fácil verificar os danos causados à imagem da postulante a ministra. Logo ela, autora de um projeto propondo normas rígidas sobre comprimento de saias e decotes para servidores e visitantes da Câmara. O ministro Marun, ex-cão-de guarda de Cunha e atual cão-de-guarda de Temer, provocou os críticos, perguntando se alguém vai à praia de burca. Óbvio que não, néaaaah? A gente vai de short. Mas não grava vídeo na condição de candidato/a ao ministério.
Eu tô com você, doutora!
E quanto ao áudio? No fundo, um tuntis-tuntis pesado, que denuncia uma predileção pela zoeira de bailão. – Mas isso não tem nada a ver com o trabalho que ela vai realizar! Pois tem, sim. A mulher de César não apenas precisa ser séria – ela tem de parecer séria. Em relação às falas, o desastre começa logo na abertura, que remete ao polêmico clipe da Anitta.
Sem falar que tanto o texto de Cris Brasil quanto os dos bombadões (“Correto! Eu tô com você, doutora!”) é de uma indigência comunicativa de dar dó. Nas falas dela, um dos problemas é a descontextualização. Fala como se todo mundo soubesse do que está falando. Outro, erros grosseiros de português (“’quem’ que passa na cabeça das pessoas…”). Por último, incoerência. Ao contrário do que ela diz, qualquer pessoa tem, sim, o direito de exigir coisas abstratas e concretas junto à justiça do trabalho. Multas contratuais e reparações à honra, por exemplo. E demonstra um desconhecimento de jardim da infância quanto ao que se passa na cabeça de quem entra com ações trabalhistas. Óbvio: passa pela cabeça delas a exigência de respeito aos seus direitos.Todo mundo quem, cara-pálida?
Por último, a fala de um dos “empresários” é devastadora. Ele generaliza perigosamente ao afirmar que todo mundo é vítima de ações trabalhistas. Todo mundo quem? Eu, tu, nós, vós, eles? Quem, cara-pálida? Daria pra falar também daqueles óculos escuros. Da falta de organização do discurso de maneira geral (ausência de um mínimo de planejamento da mensagem). Do subtexto geral que denuncia pouco caso com a justiça e com quem vem impedindo sua posse. Das possibilidades de especulação sobre as circunstâncias e o estado geral dos protagonistas do vídeo no momento da gravação. Da falta de uma assessoria competente… Ihh, tem é coisa. Mas o espaço acabou. Só dá pra gritar bem alto (mas sem dizer pra onde):
– Vai, ministra!
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