O ano de 2022 mal começou e já me convenço de que estaremos sendo desafiados, permanentemente, a entender como dilatar e ver aplicado, na prática, o conceito de urbanidade em nossa convivência cotidiana, neste país que se revela ensandecido pela debate estéril de condutas morais ou nem tanto, gravitando na órbita da intolerância e das fake news.
Revela-se, assim, o desafio deste ano, ao nos impor graves e essenciais reflexões sobre o nosso presente e o nosso futuro como país, como nação, como povo.
Se não, vejamos: urbanidade é “o conjunto de formalidades e procedimentos que demonstram boas maneiras e respeito entre os cidadãos; afabilidade, civilidade, cortesia”, como nos ensina o dicionário.
Tudo o que parece ter desaparecido do dia a dia do “homem cordial” brasileiro que constava nas “raízes do Brasil”.
Vendo à luz da nossa atual realidade nacional, temos que lamentar, profundamente, a perda, embora que ainda não definitiva, desse sentimento entre nossos patrícios, polarizados numa insana e irracional disputa ideológica que beira o fanatismo e o ódio imensurável.
Perdemos a razão de vez?
Temos como resgatar a sensatez e a tolerância às margens de um processo eleitoral que se desenha pelo extremo ódio e irracional antagonismo ?
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Ficaremos a reboque dessa polarização hostil, enquanto perdemos a oportunidade de pensar o novo que, como diria meu conterrâneo Belchior, “sempre vem”?
Vaticinou Antonio Carlos Fernandes Belchior: “Nossos ídolos ainda são os mesmos. E as aparências não enganam não. Você diz que depois deles, não apareceu mais ninguém”.
Mas será mesmo???
Discordo completamente!!
Se assim fosse, estaríamos a esquecer os primados do contrato social que nos foi apresentado, desde o século XVIII, pelo filósofo, teórico político e compositor Jean-Jacques Rousseau, considerado um dos principais filósofos do Iluminismo e um precursor do romantismo, cuja filosofia política inspirou toda a Europa, influenciando aspectos da Revolução Francesa, como o desenvolvimento moderno da economia, da política e do pensamento educacional.
O contrato social de Rousseau já indicava uma classe de teorias que buscava explicar os caminhos que levam as pessoas a formarem Estados e a buscarem manter a ordem social. Por esse conceito, o contrato traz implícito um conjunto de obrigações em que as pessoas abrem mão de certos direitos para assegurar que um governo ou outra autoridade possa buscar as vantagens de uma certa ordem coletiva.
Por essa ótica, o contrato social seria a base de um acordo entre os membros da coletividade, por meio do qual se reconhece uma determinada autoridade que atua sobre todos igualmente, a partir de um conjunto de regras, de um regime mútuo de obrigações.
Me parece oportuno revisitar esse conceito, num momento em que o país, de forma orquestrada por um certo grupo, debruça-se sobre o debate de que se deve ou não vacinar crianças de cinco a doze anos contra a covid-19, se devemos ou não cobrar o passaporte sanitário e por aí vai.
Negacionistas de plantão, militantes ideológicos da anticiência, buscam romper o conjunto de regras que rege nossa sociedade em função do simples objetivo de manter candente uma disputa de narrativas que empana qualquer debate racional e lógico e que busque o bem coletivo.
Com base em um sofisma recorrente da presumível defesa das liberdades individuais, esse grupo assaca ataques neuróticos e injustificados àquilo que a ciência já consagrou como elemento validado para garantir a saúde coletiva.
O que interessa agora, a esse grupo, é manter na agenda o debate, repito, estéril e insano, que só encobre a inação ou incapacidade administrativa do atual governo central de atuar frente a um conjunto de problemas que surgem como efeito colateral das crises sanitária e econômica.
E como esse debate se espraia nos diversos núcleos que compõem nossa sociedade no tempo presente???
Se em Rousseau, “a ordem social seria um direito sagrado fundado em convenções, portanto, não-natural” teríamos como primeira forma de sociedade o que mais se aproxima de uma organização coletiva, uma sociedade natural, que seria a família. E aí, estaríamos com toda a amplitude de debate sobre como nos comportarmos perante a decisão de vacinar nossas crianças como forma de garantir índices maiores de imunidade perante a pandemia ou mesmo podendo exigir passaporte sanitário como forma de interromper o circuito de contágio por parte de quem não se vacinou.
Minha defesa intransigente é de que não podemos permitir o descumprimento, mínimo que seja, ao nosso “contrato social” enquanto conjunto da humanidade e que, há décadas, defende a aplica as vacinas.
A ciência valida esse acordo entre os membros da nossa sociedade enquanto humanidade, na qual reconhecemos a autoridade sanitária igualmente sobre todos, com um conjunto de regras que visa e objetiva o bem comum.
A unanimidade jamais existirá, mas as premissas desse nosso contrato social define a vontade geral como a união das vontades individuais, ainda que com algumas imprecisões.
Por fim, devemos insistir na confirmação de que a tolerância e a obediência à ciência deve constar em um pacto fundamental, não só para 2022, mas sendo a base e o corolário de nossa conduta para o resgate do sentimento verdadeiro de brasilidade.
E recorro a Belchior na síntese desse artigo para evocar o pensamento pautado na crença de “que o novo sempre vem… As aparências não enganam não”.
Vamos só ter que arregaçar as mangas e trabalhar pela reconstrução de um sentimento que propugne pela urbanidade, com respeito extremo ao nosso contrato social de nação que sempre reconheceu sua matriz plural e miscigenada!!
Ave Belchior, salve 2022!!!
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