O PT ainda não era alternativa de poder, mas somente um partido de oposição, e isso já gerava reclamações. Sempre foi o motivo das eternas rusgas que o comandante do PDT, Leonel Brizola, tinha com Lula, a quem chamava de “sapo barbudo” (indigesto, mas que ele se via obrigado a engolir). Foi o motivo das disputas com PCB e PCdoB pelos espaços políticos na sociedade (quem foi estudante na época vai lembrar da luta renhida na União Nacional dos Estudantes e nos centros acadêmicos). É da cultura do PT ser hegemônico.
Antes de se tornar de fato uma opção de poder, o PT buscava exercer essa hegemonia nas esquerdas e nos espaços que a esquerda dominava. E Brizola e os comunistas reclamavam que, ao agir assim, o PT parecia não dar importância à história anterior a ele, trilhada pelas demais legendas. No popular, “tinha chegado agora e já queria sentar na janelinha”. Era o “nunca antes na história deste país” exercido na prática política.
Ou seja, o PT sempre fez questão de ser grande. Por sua história e sua importância no contexto da redemocratização do país, originado das greves do ABC, que abriram grossas fissuras na ditadura militar, talvez tenha já nascido grande mesmo. Mas, no complexo ambiente político brasileiro, com suas dezenas de partidos e embates, isso muitas vezes o torna um grande paquiderme. Um elefante numa loja de louças.
No poder em um país em que a lógica política torna necessária a construção de alianças, muitas vezes essa cultura hegemônica se torna um problema. Lá no primeiro mandato de Lula, está na origem da primeira grande crise, o mensalão. O PT achou que se desse somente dinheiro, uma espécie de mesada, aos partidos, construiria a sua base. Pode até ser verdade que a única coisa que a maioria dos políticos e partidos queira seja dinheiro. Mas existem algumas regras republicanas para isso que precisam ser cumpridas. Houve a crise e a condenação.
Lula e o PT ajeitaram-se após a crise, e o partido passou a ser o dono da mais longa trajetória no poder da história republicana brasileira. Reeditada agora no terceiro mandato de Lula. Novamente, porém, percebe-se que a cultura hegemônica do partido da estrela torna-se um grande problema. Que angustia e entristece Lula.
É uma armadilha do sistema político brasileiro. Ao contar somente os votos válidos, o sistema brasileiro cria uma falsa sensação de maioria em quem ganha a eleição. No sistema eleitoral brasileiro, o voto nulo, o voto branco e as abstenções não são uma opção política de fato. Os três significam a mesma alternativa por se retirar do jogo. Lula venceu em outubro do ano passado a eleição mais apertada da história desde a redemocratização. Se teve, portanto, 51% dos votos válidos, retirado do cálculo quem anulou o voto, votou em branco ou não apareceu para votar, isso significa que, somado quem votou no ex-presidente Jair Bolsonaro no segundo turno, a maioria da sociedade brasileira não votou nele.
Junta-se a isso um outro fator desconcertante. Na sua lógica eleitoral, o brasileiro resolveu escolher um governo comandado por um partido de esquerda e um Congresso Nacional conservador. Em 2003, no início do primeiro governo Lula, o PT tinha a maior bancada, com 91 deputados. Em 2006, a maior bancada era do PMDB, mas o partido estava na base do governo, e o PT vinha atrás com 83. Em 2011, de novo o PT tinha a maior bancada, com 88 deputados. Em 2015, a maioria era mais apertada, mas de novo a maior bancada era dos petistas: 69 deputados.
Hoje, o PL, partido de oposição, elegeu 99 deputados. E a federação formada por PT, PCdoB e PV tem 81. Ou seja, mais do que nunca, para obter maioria, o PT precisa compor. E precisa compor para além daquelas legendas com as quais teria maior afinidade, por serem de esquerda. O PT precisa compor com o centro. Mais do que com o centro, precisa compor com os conservadores.
E, ainda que muita gente na turma queira grana, não pode cair na esparrela do mensalão. Precisa ter a habilidade de fazer os repasses nos termos da turma. Mas sem cair na outra esparrela, que é virar refém. E, sobretudo, precisa conter sua sanha hegemônica.
E tudo isso em um momento em que Lula, reeleito depois do drama que viveu da condenação e prisão, quer tornar seu terceiro governo uma espécie de história de redenção. Por isso, tem pressa. E por isso se frustra diante de um ambiente mais complicado, tanto no plano interno quanto internacional.
Como diria Kátia, a cantora, “não está sendo fácil”…
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