Os americanos irão às urnas no próximo dia 3 de novembro. Será a 59ª eleição presidencial da maior democracia das Américas. Os impactos irão muito além das fronteiras dos Estado Unidos. O ambiente que cerca as eleições é dramático. São quase oito milhões de infectados pela covid-19 e mais de 216 mil mortes, diante de um Donald Tump negacionista, que desafiou permanentemente a ciência, deseducou, desmobilizou a população em relação à prevenção e ao distanciamento social e confrontou prefeitos e governadores. São mais de 16 milhões de desempregados e uma perspectiva de queda do PIB americano que deve superar 4%. Além disso, a questão racial explodiu nas ruas com uma radicalidade que há muito não se via, desde a morte de George Floyd.
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Com seu estilo populista-autoritário, diante de tão grave situação econômica, sanitária, social e racial, Trump não refrescou, não buscou unir o país, ao contrário, jogou lenha na fogueira do dissenso, da discórdia e da polarização.
Desde a sua independência em 1783 e da Constituição americana de 1789, os EUA, ao lado da Inglaterra e França, são os grandes esteios da democracia moderna. Um abalo na dinâmica e nas instituições democráticas americanas em pleno século 21 seria um péssimo exemplo e estímulo para outros líderes populistas autoritários confrontarem os valores permanentes da liberdade e da democracia. Nunca se gastou tanta tinta e papel para discutir a crise da democracia representativa contemporânea. Donald Trump foi disruptivo em relação ao que Steven Levistsky e Daniel Ziblatt em seu “Como as Democracias Morrem” (Zahar) chamam de princípios não escritos: o reconhecimento público da legitimidade do opositor e a autocontenção no uso do poder.
Para Trump a desqualificação deselegante e agressiva dos oponentes e a falta de limites no uso do poder são traços permanentes. E agora, diante de uma possível derrota, em precedente inédito e perigoso, preventivamente inocula uma interrogação sobre a legitimidade do resultado e as fraudes na futura eleição, insinuando que poderá questionar os resultados apostando em grave impasse. As instituições americanas serão testadas. Creio que este será o maior impacto no Brasil da eleição americana, até pelos laços próximos erguidos entre Trump e Bolsonaro: o fortalecimento ou o enfraquecimento da ideia de democracia.
No plano dos direitos humanos e das políticas ambientais também uma vitória de Joe Biden impactará fortemente as relações Brasil/EUA. Biden, como vice-presidente de Obama, entregou à época farta documentação ao Brasil sobre o período do regime ditatorial e a prática da tortura e provavelmente valorizará o tema dos direitos humanos.
No plano ambiental, o Brasil terá de mostrar serviço no compromisso com a sustentabilidade para poder exigir o apoio internacional a que faz jus. Nas negociações econômicas, será necessário retomar o velho e bom pragmatismo brasileiro. Incluindo aí a licitação do 5G nas telecomunicações e a negociação das barreiras comerciais que obstruem o comércio externo bilateral. Apesar da amizade dos presidentes Trump e Bolsonaro, o comércio entre os dois países deve ser 25% menor em 2020 em relação ao ano anterior. Ou seja, “amigos, amigos, negócios à parte”.
A eleição de Biden parece provável, mas não é certa. Se ocorrer, o governo brasileiro vai ter que realinhar sua postura.
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