O colonialismo e a escravidão na América Latina deixaram um legado marcado pelo autoritarismo e pela falta de tradição democrática. A exclusão social patrocina e retroalimenta uma sociedade civil frágil. Aqui e ali, no Brasil e na América espanhola, movimentos de resistência eclodiram. Mas a regra geral foi o movimento pendular entre regimes autoritários e o populismo caudilhesco. Ao longo dos séculos, os períodos efetivamente democráticos foram raros e instáveis. No Brasil, tivemos apenas 45 anos de democracia, do pós-Segunda Guerra Mundial ao golpe militar de 1964 e da transição liderada por Tancredo Neves até os nossos dias.
Felizmente, um vendaval de redemocratização varreu a América Latina no fim do século XX e início do XXI. Remanescem o regime socialista autoritário em Cuba e a experiência “bolivariana”, cheia de traços antidemocráticos, típicos dos velhos caudilhos, na Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador e Nicarágua. Usam a maioria ocasional conquistada nas urnas para cercear a liberdade de imprensa, perseguir adversários, interferir em outros poderes, limitar direitos individuais, mudar regras eleitorais, sempre visando à perpetuação no poder de determinado líder ou grupo político. A frágil convicção democrática dessas experiências estimula um espírito autoritário nas massas e manipula as instituições democráticas contra a própria democracia. As regras do jogo devem ser permanentes e a alternância assegurada. Não é isso que acontece no populismo “bolivariano”.
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De repente, o presidente Fernando Lugo, do Paraguai, é afastado pelo Congresso em rito sumário e meteórico, embora ancorado em dispositivos constitucionais e legais. As mesmas vozes, que não se incomodam com as estripulias autoritárias de Hugo Chávez e Cristina Kirchner, se levantam “indignadas” contra o golpe, sem se dar conta do grau de hipocrisia e contradição presentes em seus falsos arroubos democráticos.
Causa estranheza a velocidade com que o Congresso do Paraguai afastou Lugo. Apesar de processado dentro da legalidade e tendo o ex-presidente aceitado a decisão do Congresso, o amplo direito de defesa não foi assegurado.
Já tivemos o afastamento de um presidente da República eleito. O impeachment de Collor consumiu meses e meses, em 1992, a partir do trabalho de uma CPI. Foi legítimo e a democracia brasileira deu um salto de qualidade.
O afastamento de um presidente eleito é sempre traumático. Em 2005, na crise do mensalão, quando Duda Mendonça confessou ter recebido irregularmente pagamentos da campanha de Lula no exterior, muitos nos cobraram um novo “impeachment”. E cobram até hoje. O PSDB, tendo à frente FHC e Aécio Neves, em nome da consolidação da democracia, visualizaram corretamente que esse não era o caminho e que o trauma seria irreparável.
Só o tempo mostra quem realmente defende a democracia e quem manipula o amor à liberdade ao sabor do oportunismo ideológico.