Era final da manhã com sol ameno em Brasília quando dois amigos, o Zé e o Chico, ao fazerem a caminhada matinal, flagraram uma cena que poderia até passar despercebida não fosse por um detalhe.
– Quem é ela, Chico?
– Sei lá!
– É uma dessas senadoras novatas?
– Acho que não – diz Zé coçando a cabeça.
– Se não é senadora, por que ela entrou no carro oficial do Senado?
– Uai… vai ver ela é esposa de algum senador.
Zé e Chico são personagens fictícios. O restante da história é fato, assim como as dúvidas que pairam sobre ele.
PublicidadeUm carro oficial do Senado para na porta de uma academia no setor mais nobre de Brasília. O veículo com placa 0041 é usado pelo senador Irajá Abreu (PSD-TO), mas quem entra é uma mulher vestida com roupas próprias para atividades físicas. Pelas regras da Casa, o carro oficial só pode ser usado em serviço.
Questionada, a assessoria do senador informou em nota que ele “vai com frequência ao endereço informado na reportagem e sempre acompanhado, onde funciona um conhecido restaurante denominado Coco Bambu, para almoços e reuniões de trabalho, e que no mesmo complexo situa-se uma academia, a qual também frequenta”.
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Contudo, ao ser questionado se o senador também estava no veículo naquele momento, respondeu: “A nota é essa”.
A “nota é essa” quer dizer, em português bem “dizido” e “escrivinhado”, que é melhor pairar dúvidas que revelar o fato.
Senadores têm direito a veículos de luxo com motorista para deslocamentos em Brasília para uso exclusivo do mandato. A frota é formada por 83 veículos Nissan Sentra. Desses, 79 são utilizados por senadores e quatro por seguranças do presidente da Casa, pelo diretor-geral e pelo secretário-geral da Mesa. A frota é composta ainda por dois Huydai Azera, todos pretos.
A locação de todos eles custou em fevereiro R$ 274 mil, mas o contrato assinado pelo Senado e a empresa Quality Aluguel de Veículos S/A, que corresponde ao período de julho de 2017 a janeiro de 2020, tem valor aproximado de R$ 8,4 milhões, a depender da quilometragem rodada por mês.
Além do veículo com motorista, do salário de R$ 33,7 mil, da verba indenizatória de R$ 15 mil mensais, da cota para aquisição de passagens aéreas correspondente a cinco trechos, ida e volta, da capital do estado de origem para Brasília, senadores ainda contam com assistência médica vitalícia que abrange atendimento médico-hospitalar; médico-ambulatorial; assistência domiciliar de emergência, urgência, traslado terrestre ou aéreo; odontológico ou psicoterápico, inclusive no exterior, mesmo que aposentados. A soma desses benefícios passou de R$ 68 milhões em 2018.
– Mas, Zé! Quem é a moça?
– Uai, Chico! Já disse que não sei!
– Zé… será que ele é casado?
– Chico, essa é nota!