O Brasil precisa, com urgência, de uma coalizão pela primeira infância. Essa é a pauta definidora e modeladora do desenvolvimento e do progresso. Dela depende realmente o futuro da nação. Num passado não tão distante, fomos capazes de promover avanços, graças à grandes consensos nacionais, como no enfrentamento à mortalidade infantil e ao analfabetismo.
No Brasil da década de 1980, muitos estados brasileiros mantinham Taxas de Mortalidade Infantil (TMIs) que extrapolavam uma média dramática de mais de 100 crianças mortas no primeiro ano de vida para cada 1.000 que nasciam vivas. O cenário era ainda bem mais desolador nas zonas rurais das regiões mais vulneráveis do País. A TMI é um dos indicadores de saúde mais usados em todo o mundo para aferir a qualidade das políticas de saúde e de assistência social dirigidas às crianças, às mães e, de alguma maneira, às famílias.
Atualmente, a TMI brasileira está em torno de 11 crianças mortas no primeiro ano de vida para cada 1.000 nascidas vivas. Uma evolução civilizatória das mais significativas ocorrida ao longo das últimas décadas. Mas isso aconteceu a partir de um consenso nacional em torno da necessária mudança dessa realidade.
Esse consenso foi estabelecido e ancorado, incialmente, em novos conhecimentos científicos, forte apoio técnico e financeiro de organismos internacionais de saúde e bancos de desenvolvimento, cooperação interfederativa e a influência de novas práticas preventivas e assistenciais de baixo custo, realizadas com sucesso em algumas regiões do País, replicáveis com simplicidade.
Nesse mesmo período o Brasil vivenciou um forte processo de urbanização, melhorias da condição socioeconômica de grupos populacionais específicos, além do advento do Sistema Único de Saúde (SUS) e a significativa expansão da assistência à saúde materno-infantil. Todavia, a vida de grande parte dessas crianças que sobreviveram ao seu primeiro ano esteve muito longe do ideal de proteção, estímulos, oportunidades e de acesso a serviços públicos de qualidade.
Tem faltado ainda aporte nutricional adequado, proteção aos abusos, prevenção à negligência e abandono familiar, oportunidades educacionais, acesso a serviços de saúde, monitoramento do desenvolvimento infantil, ambientes comunitários e espaços públicos adequados à infância etc. Na prática, governos e a sociedade em geral têm falhado na implantação ampla e integral dessa agenda de políticas públicas, tão essenciais para um país ainda tão perversamente desigual.
Para agravar esse cenário, há um conjunto de novas evidências científicas produzidas por diversos campos do conhecimento que têm dado uma nova e mais crítica centralidade à questão da infância, especialmente à fase da vida que passou a ser conhecida por primeira infância, aquela que vai do nascimento aos seis anos de vida. A base fisiológica dessa compreensão é que o cérebro se desenvolve mais rapidamente nessa fase e tem o mais alto poder absortivo das influências e estímulos externos.
Estudos na área na neurociência, psicologia, pedagogia, medicina e economia, dentre muitas outras, trazem conclusões consolidadas: nessa etapa da vida, o conjunto de experiências das crianças no ambiente familiar, na comunidade e na escola podem ter impactos individuais e coletivos muito significativos para o futuro.
Na dimensão individual (diversidade e riqueza do vocabulário adquirido, a performance escolar e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como autoestima, autorregulação e autoconfiança, são positivamente influenciados por estímulos certos na primeira infância) e também na coletiva. A ciência demonstra que investimentos públicos corretos na primeira infância podem incrementar a renda média da população, mitigar desigualdades sociais, reduzir problemas de baixa escolaridade, prevenir a violência e impactar, favoravelmente, para a redução da mortalidade infantil.
O Prêmio Nobel de Economia James Heckman, estudioso do tema, crê, inclusive, que o investimento na primeira infância é uma estratégia central para a promoção do crescimento econômico das nações, tendo em vista trás taxas de retorno social muito elevadas.
O Brasil tem, então, muitas tarefas para os seus governos, suas famílias e toda a sociedade civil organizada. Por um lado, é necessário reconhecer que a dívida histórica com a qualidade das políticas públicas dirigidas à infância, para além do contínuo enfrentamento à mortalidade infantil, dando assim outras oportunidades de qualidade de vida que estejam para além, somente, do direito à sobrevivência.
A agenda é grande: construir planos municipais e estaduais bem estruturados e de longo prazo para a primeira infância, pautar políticas públicas baseadas em boa evidência cientifica, trabalhar em parceria com as universidades e organizações que advogam qualificadamente pela primeira Infância, garantir orçamento nas três esferas de governo, estabelecer indicadores e monitorá-los com frequência, criar mecanismos de controle social efetivo e envolver às famílias na luta pela causa é tarefa pública que se coloca de forma urgente.
Teremos eleições em todo o Brasil em 2022, inclusive para deputado federal, senador e presidente da República. O compromisso dos candidatos com essa causa falará muito dos seus valores, mas, principalmente, de que tipo de sociedade e de desenvolvimento eles almejam para o nosso País.
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