*Ana Paula Barreto
Como uma observadora e admiradora do Direito em si, uma vez que me dedico a cuidar da comunicação em escritórios de advocacia, me atrevo a versar sobre o acinte que é ver o líder do governo “jogar ao vento” a ideia de convocação de uma Constituinte com o objetivo de promulgar uma nova Carta que imponha aos cidadãos e cidadãs brasileiras mais deveres e menos direitos.
Ora, é preciso dizer ao líder deste governo vexatório e reconhecidamente atrasado em ternos de processo civilizatório, que o Estado foi criado justamente para garantir direitos e não usurpá-los. É preciso dizer ainda, que se ele desconhece ou finge desconhecer como querem os líderes políticos do nosso país eleitos graças a aplicação da Constituição de 1988, que esta é considerada uma das “normativas” mais avançadas do mundo e que não foi cunhada de Carta Cidadã a toa, que se deu através de um amplo processo democrático num país recém saído de um regime autoritário que durou décadas.
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Um país esfacelado, marcado pelas feridas de uma ditadura civil/militar, mergulhado na miséria e na apatia, desesperançoso. Cenário que pode ser até mesmo comparado com o que temos presenciado agora, mas que nos diferencia da data histórica de 5 de outubro de 1988, já que hoje nos sobra um pouco de confiança no futuro e o mínimo de dignidade enquanto Nação graças aos “freios” que esta forte e sólida Constituição nos assegura frente a governos sórdidos, obscurantistas e opressores como este.
Não, não somos o Chile, e quem dera fôssemos! E não certamente pela convocatória da uma nova Constituinte, felizmente conquistada com a garra de uma juventude que conhece sua história recente e clama por não repeti-la. Não somos o Chile, pois infelizmente saudamos torturadores! Não somos o Chile, pois aqui, diferente de lá, não revisitamos o passado com olhos críticos de uma Nação que se preocupa em mudar seu futuro. Então, senhor líder do governo brasileiro não nos venha comparar e “pegar carona” na mudança de uma Constituição que lá se faz necessária exatamente para garantir que o Estado faça o seu papel de Estado: salvaguardar à população de lideranças como a que Vossa Excelência apoia.
A velha Constituição Chilena precisa ser esquecida e deixar nascer do zero, artigo por artigo uma nova, que irá promover direitos e rechaçar a imposição de deveres aos homens e mulheres daqueles país que conhecem como ninguém a falta do cumprimento dos deveres de seus governantes na execução de ações que garantam justiça social ampla, geral e irrestrita. Já a nossa Constituição não precisa ser reformada, pois apesar de ter sido criada na esteira de uma Anistia ampla, geral e irrestrita que hoje até permite o nascimento de novos “aprendizes de Pinochet”, é a única garantia que temos que aqui eles não se criarão, pois a cada ato autoritário cometido, um artigo da nossa Carta Cidadã é empunhado para dizer: aqui não!
Já fomos “emendados” demais para uma Carta Magna que tem pouco mais de 30 anos, me refiro as Emendas Constitucionais já aprovadas. Novas “reformas” rondam nossa sólida norma em textos oferecidos ao parlamento por um Executivo que confunde e usa como arma de comunicação a mentira e a negação dos fatos da nossa própria história para continuar surrupiando direitos e nos impondo deveres.
Por todas estas razões, quando chegar aos seus ouvidos coisas como: “nossas leis são garantistas demais” ou “nossa Constituição é utópica e difícil de ser aplicada com tantos direitos”, desconfie e reflita. Há um sábio ditado que diz: é sempre melhor pecar pelo excesso.
Se com nosso “excesso” somos o país que mais normas ambientais tem burlado no mundo, que extermina negros e pobres através das armas de seus agentes de Estado, que tem um presidente que ainda quando parlamentar promovia a cultura do estupro com a frase “você não merece ser estuprada por ser feia”, numa Nação que registra números chocantes de um estupro a cada oito minutos, que impede o aborto garantido em lei em caso de gravidez por violação sexual de uma menina de 10 anos. O país que mais mata pessoas LGBTI+ no planeta, que normatiza a barbárie em nome da liberdade de expressão, que dirá então, se seguirmos os conselhos falaciosos daqueles que acham que por aqui possuímos direitos demais e deveres de menos.
Não, definitivamente não somos o Chile! Somos um arremedo de país que caminha cambaleante segurando junto ao corpo como escudo a Carta Cidadã tão honrosa de 1988.
*Ana Paula Barreto é jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pós-graduada em Comunicação Legislativa pela Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis). Foi chefe de Comunicação da Secretaria das Relações Institucionais da Presidência da República e assessora de imprensa no Senado Federal. Atualmente é responsável pelo comando da comunicação do escritório Cezar Britto & Advogados Associados.
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