“Preço da gasolina no DF sofre reajuste pela quarta vez em uma semana. Valor do litro varia de R$ 3,87 a R$ 4,29. Aumento de 3,3% anunciado pela Petrobras entrou em vigor nesta terça; motoristas reclamam … o preço do botijão de 13 quilos deve subir cerca de R$ 2,44. Na semana passada, o botijão [de gás] era vendido no DF pelo preço médio de R$ 60,10”.
Nos termos do Decreto n. 8.948, de 29 de dezembro de 2016, o salário mínimo para 2017 foi fixado em R$ 937 mensais. Esse é o menor valor que um empregador pode pagar para um empregado por definição constitucional (artigo sétimo, inciso IV).
Por força de decisão monocrática do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, (praticamente) todos os magistrados brasileiros recebem mensalmente um auxílio-moradia no valor de R$ 4.377,73. Por ser considerada verba de caráter indenizatório, não incide sobre o ganho desconto de imposto de renda. Essa mesma vantagem também é auferida pelos membros do Ministério Público. O pagamento desses valores é visto amplamente pela sociedade brasileira como um privilégio inaceitável que consome, somente no âmbito da União, cerca de 437 milhões de reais por ano.
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Recentemente, foram apreendidos, pela Polícia Federal, cerca de R$ 51 milhões em imóvel vinculado ao ex-ministro Geddel Vieira Lima. As imagens de malas e caixas abarrotadas de cédulas de reais e dólares foram exaustivamente divulgadas na imprensa, nas redes sociais e circularam o mundo.
No bojo de uma reforma político-eleitoral açodada, suspeita e ilegítima, buscou-se a instituição de um fundo de financiamento de campanhas com a disponibilidade de aproximadamente R$ 3,6 bilhões (0,5% da receita corrente líquida da União). Esse novo aporte de recursos funcionaria paralelamente ao antigo fundo partidário que distribuiu R$ 738 milhões em 2016.
“O presidente Michel Temer sancionou nesta quarta-feira (13) a mudança na meta fiscal de 2017 e 2018, que poderá chegar a um déficit de até R$ 159 bilhões, informou o Palácio do Planalto./O Congresso Nacional concluiu no início de setembro a votação que alterou as previsões de déficit. Para 2017, a meta anterior previa um rombo nas contas públicas de até R$ 139 bilhões, enquanto para 2018 o déficit poderia alcançar a cifra de R$ 129 bilhões”.
PublicidadeComo visto, o cotidiano do brasileiro, pautado pela grande imprensa e pelo governo, convive com referências monetárias (preços, valores ou montantes) de alguns reais a bilhões de reais. Esse último patamar numérico já é algo de difícil mensuração ou dimensionamento. A título de ilustração, um bilhão de reais corresponde a aproximadamente: a) um milhão de salários-mínimos ou b) 28 mil carros populares novos. Ocorre que os elementos mais relevantes no mundo econômico-financeiro, abrangidas as vertentes fiscais, monetárias e cambiais, estão postos na casa dos trilhões de reais.
O PIB (Produto Interno Bruto), soma das riquezas produzidas no país, atingiu o patamar de 5,9 trilhões de reais no ano de 2015. Por exprimir o tamanho da atividade econômica, é disparado o mais importante dado utilizado para comparações macroeconômicas e coloca o Brasil entre as dez maiores economias do mundo. A condição de um dos países mais ricos do planeta convive com a triste marca de sermos uma das mais desiguais sociedades no plano internacional. Emblemática demonstração desse perverso quadro socioeconômico está representada na quantia depositada por brasileiros em paraísos fiscais. A cifra atinge algo em torno de R$ 1,6 trilhão. “Ricos brasileiros são os quartos no mundo em remessas a paraísos fiscais”.
Em recente entrevista à Folha de S.Paulo, o economista Marc Morgan Milá afirmou: a) “o grupo dos 1% mais ricos tem cerca de 1,4 milhão de pessoas, com renda anual a partir de R$ 287 mil. O 0,1% mais rico reúne 140 mil pessoas com renda mínima de R$ 1,4 milhão. Enquanto isso, a renda média anual de toda a população é de R$ 35 mil. É uma discrepância muito grande. Esse é o ponto importante no caso brasileiro: a concentração do capital é muito alta” e b) “o Brasil é um animal diferente. É o país mais desigual do mundo, com exceção do Oriente Médio e, talvez, da África do Sul. Um ponto importante é que todos os governos brasileiros das últimas décadas têm responsabilidade por isso”.
A principal fonte de receita dos entes estatais (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), representada pelos tributos, alcançou em 2015 a impressionante cifra de 1,9 trilhão de reais. Esse montante implicou numa carga tributária macroeconômica da ordem de 32,66% do PIB e sustenta um enganoso discurso da inviabilidade de aumento da pressão tributária. Nesse campo, é preciso atentar para o fato de que a tributação no Brasil está concentrada majoritariamente no consumo e no trabalho. A propriedade, o capital e as operações financeiras são proporcionalmente menos oneradas e gozam de absurdos privilégios tributários. Ademais, precisam ser levados na devida conta os seguintes elementos: a) sonegação tributária em níveis alarmantes; b) renúncias fiscais de várias ordens; c) intensas ações de planejamento tributário e d) estoque considerável da dívida ativa. A reunião dos três primeiros itens seguramente ultrapassa o patamar do trilhão de reais a cada ano. O último item, a dívida ativa, representava, somente no plano federal, um valor na casa de 1,84 trilhão de reais ao final de 2016. Registre-se uma histórica resistência em dotar os órgãos responsáveis pela recuperação desses valores de condições satisfatórias para atuar.
Na referida entrevista, o economista Marc Morgan Milá afirmou ainda: “A história recente indica que houve uma escolha política pela desigualdade e dois fatores ilustram isso: a ausência de uma reforma agrária e um sistema que tributa mais os pobres. Para nós, estrangeiros, impressiona que alíquotas de impostos sobre herança sejam de 2% a 4%. Em outros países chega a 30%. A tributação de fortunas fica em torno de 5%. Enquanto isso, os mais pobres pagam ao menos 30% de sua renda via impostos indiretos sobre luz e alimentação” e b) “As transferências chegam aos mais pobres, mas o sistema tributário injusto faz com que o ganho líquido se torne menor. Como esses programas representam cerca de 1,5% da renda nacional, o nível de redistribuição que se pode obter com eles é limitado. Fora que as transferências são financiadas por impostos que incidem sobre o consumo. E como o consumo pesa mais no orçamento dos mais pobres, é possível dizer que os mais pobres estão pagando por parte das transferências que recebem”.
As observações do economista Milá seguem o mesmo rumo daquelas realizadas por Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. Essa entidade lançou o estudo “A distância que nos une, um retrato das desigualdades brasileiras”. “De acordo com Katia Maia, diretora-executiva da entidade, o objetivo é divulgar um relatório anual sobre a desigualdade e mostrar os diferentes problemas do tema, como, por exemplo, o da tributação brasileira. ‘Nós pagamos muitos impostos. Mas não é que a nossa tributação é excessiva, na verdade ela é injusta. A gente está abaixo da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) [em termos de carga tributária]. Mas é uma tributação onde quem paga o pato é a classe média e as pessoas mais pobres’, disse”.
O chamado “sistema da dívida pública” cumpre um papel central nas finanças públicas brasileiras. Segundo dados do Banco Central, o montante da dívida pública (bruta) atingiu, em dezembro de 2016, o patamar de R$ 4,3 trilhões. Apesar dos sucessivos esforços fiscais voltados para a obtenção de superávits primários direcionados ao pagamento desse passivo, o endividamento público cresceu e cresce continuamente. A razão básica para esse triste fenômeno reside na profunda relação entre as políticas fiscais, monetárias, cambiais e creditícias, convenientemente “escondidos” do debate social mais amplo. Anote-se que as reservas internacional no patamar de 1,2 trilhão de reais responde por parte substancial do endividamento do Estado. Na mesma linha, as operações compromissadas, no valor de 1,02 trilhão de reais em dezembro de 2016, respondem por outra parte considerável da dívida pública. Ademais, o pagamento dos juros sobre essa dívida chegou a meio trilhão de reais em 2016. Em grande medida, o tamanho crescente do endividamento e do seu serviço decorre de uma taxa de juros altíssima sem nenhuma razão plausível e somente explicável na medida em que se considere o “sistema da dívida” um enorme e perverso mecanismo de transferência de renda da grande maioria da população para um reduzido grupo de privilegiados.
Apesar de invisíveis no dia a dia e no debate público pautado pela grande imprensa e pelo governo, as trilionárias realidades econômico-financeiras destacadas, na forma como funcionam, para além dos escândalos de corrupção, da previdência social e da folha de pagamento do serviço público, são alguns dos mais importantes pilares de sustentação de uma das sociedades mais desiguais, atrasadas e discriminatórias do planeta.