Está criada a CPI mista que vai apurar os atos golpistas de 8 de janeiro. A oposição comemorou, mas está longe de esta ser uma vitória dos bolsonaristas. Os vídeos que mostraram o general Gonçalves Dias, ex-chefe do GSI, entre os invasores do Palácio do Planalto forçaram o governo a mudar de posição e apoiar a investigação. Jogo jogado. No cenário que se desenha agora no Congresso, a oposição não parece ter um final feliz.
A investigação vai expor figuras importantes do governo Bolsonaro, como os generais Braga Netto e Augusto Heleno — e o próprio ex-presidente —, caracterizando-os como mentores da tentativa de golpe. Sem contar os financiadores e os parlamentares que nas redes sociais atiçaram manifestações antidemocráticas. Outra possibilidade é a oposição, em provável minoria no colegiado, se retrair, e o governo aproveitar para enterrar a comissão, evitando barulho e tocando a pauta econômica, que é sua prioridade. Nesse caso, os bolsonaristas também sairiam como óbvios derrotados.
O governo poderá sair com escoriações, sobretudo se a espetacularização da CPI roubar tempo e atenção dos projetos da área econômica, como as novas regras fiscais e a reforma tributária. Relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, o deputado Danilo Forte (UB-CE) já conta com o prejuízo: “Se final de BBB atrapalha essa Casa, imagine uma CPI dessas.” Será possível controlar danos com a ajuda de Artur Lira e Rodrigo Pacheco, que prometem empenho nessa pauta. Por isso, o Planalto tenta evitar que um de seus maiores aliados, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), assuma um dos postos chave — presidência ou relatoria — da comissão de inquérito. Dar esse destaque a Renan causaria atritos com o presidente da Câmara, seu arqui-inimigo na política alagoana.
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Mesmo com esses contratempos, na CPI a oposição não terá o poder de mudar os fatos, fartamente documentados e exibidos em todas as mídias nos últimos quatro meses — a invasão às sedes dos três Poderes por vândalos e bolsonaristas que tentaram golpear a República e mudar o resultado da eleição presidencial.
A sessão de criação da CPI serviu como aperitivo do que pode vir, se a investigação realmente for adiante. O senador Flávio Bolsonaro anunciou que fez uma representação na Procuradoria Geral da República contra o ministro da Justiça, Flávio Dino, acusando-o de ter acesso a informações sigilosas dos inquéritos da Polícia Federal. Dino se tornou o principal alvo da bancada oposicionista. “Será que isso não é interferência na Polícia Federal? Será que não há um direcionamento em função de o Flávio Dino divulgar informações? Então, é fundamental que a CPMI possa vir para que possamos botar luz sobre aquilo que possa estar sendo omitido nesse inquérito”, disse.
O tom dos bolsonaristas é de provocação, como mostrou Nikolas Ferreira (PL-MG): “Se for para falar de investigados sobre terrorismo, realmente vocês são especialistas. Parabéns ao PT. Se for falar aqui de investigação, vamos levantar a lista da Odebrecht, vamos falar somente em codinomes: lindinho, amante, escritor, montanha. Tomem cuidado que eu tenho certeza que a verdade será apurada. Doa a quem doer, a verdade do dia 8 irá aparecer.”
O lado governista aderiu à tática de confronto. “Essa CPI vai ser um tiro no pé de Vossas Excelências. Nós vamos atrás dos financiadores. Vai haver deputado aqui cassado”, rebateu o deputado Lindberg Farias (PT-RJ), um dos prováveis integrantes da comissão. “Ora, eu sei que os senhores querem recuar. Nós não vamos recuar. Essa CPI vai ser importantíssima para o país. Eu tenho certeza de que, ao final dela, o Brasil vai saber que o autor intelectual, quem organizou os atos de 8 de janeiro, foi o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.”
Guilherme Boulos (PSOL-SP) arrematou: “Eu estava achando que essa CPMI era inútil, porque daria voz para delirantes, enquanto queremos discutir reforma tributária, geração de emprego, desenvolvimento e reconstrução do país. Mas, agora, eu estou gostando dessa CPMI. Eu quero ver quando nós chamarmos o ‘Seu’ Bolsonaro para depor, para explicar os encontros dele lá em Orlando com Anderson Torres; quando chamarmos o Carluxo para a CPMI; quando chamarmos o Anderson Torres.”
O show pode começar na semana que vem, caso se chegue a um acordo para a escalação dos 32 titulares e 32 suplentes. Parlamentares não escolhidos são livres para participar e fazer perguntas — basta lembrar de Simone Tebet na CPI da Covid. Até lá, a oposição terá tempo para ver que pode ter caído na própria armadilha. Líder do governo, o senador Jaques Wagner (PT-BA) avisou: “A CPI é contra quem a propôs. Mas um dia eles vão descobrir.”
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