Quando você pensa em patrimônio cultural, qual é a primeira coisa que vem à cabeça? Uma igreja? Cidades históricas? Obras de arte? Festas, músicas e danças? Elementos antigos, modernos ou contemporâneos? Bens coloniais, europeus, de matriz africana ou indígena? Acessíveis ou restritos? Espaços abertos ao povo ou protegidos por barreiras e cercas? Afinal, de quem e para quem é esse patrimônio?
Não sei exatamente qual a imagem que lhe vem ao pensar em patrimônio cultural. Pode ser até que para você e muitas pessoas o próprio termo não guarde muita familiaridade e fique difícil pensar algo a respeito. A depender das oportunidades que lhe foram dadas ou negadas, essa visão também pode mudar bastante. Isso sem contar as possíveis confusões que vez ou outra surgem entre patrimônio público, particular e cultural. Se teve sorte de encontrar um professor que reservou parte do currículo para tratar do tema e isso permitiu uma mínima compreensão, chegando até a falar que no país existe um Instituto que detém o papel de conservar, promover e salvaguardar o patrimônio cultural, saiba que você é uma exceção.
O Brasil é vanguarda em novas compreensões e possibilidades acerca do que pode ser entendido enquanto patrimônio cultural. Levamos aos organismos internacionais debates sobre patrimônio imaterial, natural e misto. Reconhecemos dezenas de modos de fazer e viver e criamos mecanismos para fomentar o que chamamos de bens imateriais. Além de edifícios coloniais, especialmente de matriz cristã e europeia, também começamos a tombar (reconhecer como patrimônio material) um conjunto de espaços sagrados de matriz africana e memória sensível para segmentos historicamente excluídos. Com isso, resgatamos uma questão fundamental para a valorização da cultura. Trata-se da premissa de que patrimônio são pessoas, suas histórias e memórias. E mais, de que não é possível uma política de promoção de patrimônio cultural sem reconectarmos ao povo o que é seu.
Apesar desse avanço, ainda falta algo. De nada valerá um conjunto de investimentos, obras, iniciativas, projetos e materiais sobre o patrimônio cultural se isso não vier com uma forte carga de popularização. Na prática, implica a decisão política das instituições que lidam com o tema, como o Iphan, secretarias, fundações e departamentos de patrimônio, no engajamento em um amplo movimento de abertura do patrimônio ao povo. Isso requer novas linguagens, uma nova comunicação e um ousado plano de educação patrimonial que chegue a todos os cantos do país, especialmente no que chamamos de Brasil profundo. Precisamos mostrar às comunidades que elas mesmas são capazes de inventariar e cuidar da riqueza cultural que abrigam. Que elas devem e podem formar as atuais e futuras gerações para serem guardiãs da memória e dos acervos que possuem. Que seu território é o primeiro espaço a ser valorizado. Precisamos inovar nos métodos de participação social, superar o elitismo e os excessos academicistas para avançar na acessibilidade ao tema.
Pensando em um projeto de nação que tenha o patrimônio cultural como um importante instrumento para a geração de oportunidades, por que não engajarmos setor público, iniciativa privada e sociedade civil em uma grande campanha nacional pelo patrimônio? Mais do que divulgar as imagens dos centros históricos e símbolos culturais, é preciso fazer um pacto amplo em torno de mais investimentos para a conservação do que está desabando, da preservação do que foi reconhecido e da promoção dos nossos modos de fazer e linguagens tão ricos que se distribuem pelos diversos cantos do país. Com isso, reconhecer publicamente as entidades, empresas e governos que têm compromisso com essa causa. Certificar boas práticas e tornar cobiçado o selo de pessoas ou instituições “parceiras do patrimônio”. A retomada democrática que se iniciou em 2023 nos abriu essa possibilidade. Ela é viável e tem tudo para ser colocada em prática.
Em nível local, reabrir os palácios, arrancar as grades das praças, escancarar as portas dos teatros, dos fortes, das igrejas e dos terreiros. Organizar visitas diárias para estudantes – especialmente crianças e adolescentes – profissionalizar novos guias para o turismo patrimonial, fazer parcerias com a imprensa e os meios de comunicação para que a pauta do patrimônio cultural ocupe seu devido lugar no conteúdo e na programação e, finalmente, promover um novo tipo de gestão participativas do patrimônio, conectada às plataformas atuais e às novas tecnologias da informação. Precisamos não só falar mais, mas aproximar o imaginário popular deste tema, ressignificando-o e vinculando-o à vida real. Se o patrimônio são as pessoas, a política de patrimônio cultural precisa, portanto, ser essencialmente pensada com e para as pessoas.
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