Emanuel e Oxalá aguardavam Jaci terminar uma reunião marcada com Sumé. Ela queria ouvir a opinião do sábio deus sobre o desaparecimento dos saberes transmitidos pelos povos indígenas de sua Pindorama. Os dois sabiam da preocupação de sua iluminada amiga, ainda mais quando o atual governo brasileiro não disfarçava o seu desprezo para com as comunidades tradicionais, não medindo qualquer esforço para destruir as suas culturas e histórias. E aguardavam, pacientemente, o término do encontro, quando das sombras da Lua, surgiu a presença exuberante do deus da sabedoria e das leis.
– Tîa nde pytuna! – cumprimentou Sumé, em educado boa noite. – Bom saber que vocês estão aqui. Jaci está muito triste e vai precisar do aconchego da amizade.
– Boa noite Sumé! – respondeu Emanuel. – Claro que pode contar conosco, Oxalá e eu animaremos a nossa pequena Lua.
– Disso eu tenho certeza, a amizade de vocês é para a toda a eternidade – concordou Sumé, para logo se despedir. – Tupã t’-o-ikó nde irũnamo.
– Axé! – retribuiu Oxalá, enquanto Emanuel ia ao encontro de Jaci. – E que meu pai Olorum nos proteja!
– Eîkobé xe anam! – saudou coletivamente Jaci, ao perceber a chegada de seus amigos.
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– Olá, Jaci! – retribuiu Emanuel. – Sumé estava muito preocupado com você.
– Xe aruru – assentiu Jaci, cabisbaixa. – Estou mesmo muito triste.
– Olá minha Oshupá! – iniciou Oxalá. – Aconteceu alguma coisa?
– Sumé tem as mesmas preocupações que eu tenho – respondeu Jaci. – O nosso velho sábio também acha que a política de aniquilamento da nossa cultura passa pela destruição das nossas línguas.
– E ele também tem a mais absoluta razão – concordou Oxalá. – E como a tradição oral é a nossa forma de contar a nossa própria história, sem o registro da nossa língua, não há o que se transmitir, tudo se perde, tudo é destruído.
– Frei Caneca tinha razão quando disse: “Que liberdade é essa, se a língua é escrava?” – reforçou Emanuel. – A língua de um povo é a expressão de sua luta, é a forma com ele se eterniza.
– Então vocês sabem muito bem o que estou passando – pontuou Jaci. – Estou cansada dessa política de promover o esquecimento das contribuições de meu povo para a história brasileira, inclusive na construção da linguagem usada diariamente. Vários nomes de estados, cidades, ruas, rios e pessoas, assim como da fauna, da flora, da natureza e do dicionário foram retirados das nossas falas, mas são propositadamente invisibilizadas como originárias de nossos povos.
– Verdade! – concordou Oxalá. – É o que ensinou ao meu povo africano, o grande libertador Modibo Keita: “A
linguagem é uma ferramenta sobre a qual nenhuma nação pode exercer monopólio”.
– Esse é o ponto central, Oxalá! – prosseguiu Jaci. – Impuseram o europeu português como linguagem monopolizada em nossa terra, não se reconhecendo as línguas faladas por nossos povos como também oficiais.
– O Brasil, infelizmente, não seguiu o exemplo de vários países americanos e africanos que fizeram oficiais as línguas nativas – anotou Oxalá. – Aqui a política do aniquilamento é que é oficial.
– Lembrem-se de que Tiago já registrou em nosso Livro: “Toda espécie de animais, aves, répteis e criaturas do mar doma-se e tem sido domada pela espécie humana; a língua, porém, ninguém consegue domar” – acresceu Emanuel.
– É por ser indomável que também se reage violentamente contra a linguagem inclusiva, não é? – constatou Oxalá. – Os monopolistas da linguagem, do machismo e do moralismo não querem, conscientemente, reconhecer a pluralidade da vida, dos sonhares, dos quereres e dos amores.
– Não sem razão meu Pai já registrou: no princípio era o Verbo – exprimiu Emanuel.
– Bem lembrado, Emanuel, a Palavra é o começo de tudo! – concordou Oxalá. – Mate a Palavra e nada dela renascerá.
– Precisamos denunciar essa política de aniquilamento da nossa língua e, através dela, o extermínio da nossa presença na terra que originou a própria humanidade – retomou. – Posso contar com vocês?
– Claro que sim! Hoje mesmo conversarei com o Caboclo Tupinambá sobre essa nossa conversa – assentiu Oxalá.
– O nosso papa Francisco tem advogado essa causa – também concordou Emanuel. – E isso ficou muito claro no Sínodo da Amazônia. Conte comigo!
– Xe r-oryb! Xe r-orykatu nhẽ! – arrematou Jaci. – Estou muito feliz! Muito feliz!
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