Que o Poder Legislativo sempre teve reticências sobre a apresentação de medidas provisórias, todos sabemos. As MPs sempre foram um instrumento de governabilidade do Presidente da República, que poderia driblar o ritmo e a pauta das casas legislativas e impor sua agenda.
Diante da paralisia que as MPs causavam na agenda do Legislativo (não havia deliberação até que a pauta fosse destrancada pelas MPs pendentes), em 2009 o então Presidente da Câmara dos Deputados Michel Temer decidiu a Questão de Ordem 411 sobre sobrestamento da pauta por medidas provisórias. A partir dessa decisão, muitas sessões extraordinárias passaram a ser convocadas com a finalidade de flexibilizar a pauta e permitir maior liberdade ao Legislativo para determinar sua agenda.
Mas como as MPs sempre foram uma “mão na roda” para os presidentes da República, o próprio Michel Temer mudou de apreço quando trocou de cadeira: em seu tempo como Presidente da República, contabilizou a média de uma MP editada a cada 6,5 dias. Recorde desde 1995, com Itamar Franco.
Agora uma nova proposta aprovada, a PEC 11 de 2011, altera o rito de tramitação das MPs, empodera o Legislativo e traz risco de ingovernabilidade. O texto determina a perda da validade das medidas provisórias nos casos em que: (i) não forem analisadas pela Câmara dos Deputados em 40 dias após a comissão; (ii) não forem analisadas pelo Senado em 30 dias, após a aprovação pela Câmara; ou (iii) se a Câmara não analisar as modificações do Senado em dez dias.
Com isso resolve-se uma grande reclamação. O Senado, que analisa após a Câmara, critica há décadas esse procedimento que, na prática, o deixa refém do prazo, tendo que aprovar sem analisar ou deixar caducar, reduzindo seu papel a “carimbadores das decisões da Câmara”. A votação da PEC 10 foi um compromisso assumido pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia e recebeu agradecimentos do presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Se antes o prazo apertava a deliberação do Senado, agora qualquer atraso nas comissões mistas vai prejudicar o calendário no Plenário da Câmara.
As regras do jogo vão dificultar também a agenda do Executivo. O novo rito estipula novos prazos de vida útil das medidas provisórias. Então, serão novas corridas contra o relógio em cada etapa: na comissão mista e nos plenários de cada casa. Ainda, a proposta amplia o poder dos líderes. Compete a eles indicar os membros dos colegiados, o que demandará articulação do Governo para compor um quórum positivo para as matérias de seu interesse. Sob essas regras, qualquer MP que não seja de interesse do Legislativo ou não seja negociada com ele pode perder eficácia logo nos primeiros 40 dias.
Lembra da Questão de Ordem 411, de 2009? A PEC também traz para o texto constitucional a regra de trancamento da pauta estabelecida por essa decisão. Isso tudo em meio a um período em que a Câmara protelou decisão de crédito suplementar pedido pelo Executivo e a aprovação das PECs que ampliam orçamento impositivo (PEC 2 de 2015 e PEC 34 de 2019).
Os números do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) dão conta do tamanho do desafio: o Governo Bolsonaro é o que menos aprovou MPs em 5 meses de governo desde 2003. E os exemplos recentes ilustram a dificuldade desse cenário para o Governo: as MPs da reforma administrativa foi aprovada ao final do período; o que custou o sacrifício da MP da NAV Brasil para limpar a pauta; e a MP do saneamento caducou.
A PEC, aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, seguiu para promulgação. As novas regras aprovadas agigantam o Legislativo enquanto diminuem o poder do Executivo. A nova definição dos poderes dos Poderes mostram que o jogo mudou, com jogadores novos e regras que ainda estão se redesenhando e encontrando seu novo equilíbrio.
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