A recente decisão do STF reconhecendo a extensão da licença-maternidade aos chamados “pais solos” é daquelas que falam mais dos que as palavras aglutinadas no próprio Acórdão. A histórica decisão fora proferida nos autos do RE 1.348.854, interposto pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que estendeu o direito à licença maternidade de 180 dias ao pai solteiro, servidor público federal, cujo casal de filhos foram concebidos por meio de técnicas modernas de fertilização in vitro e gestação por substituição. O STF, por unanimidade e tendo como relator o ministro Alexandre de Moraes, reconheceu a constitucionalidade da família monoparental e, em decorrência, o direito do pai acompanhar o nascimento e os primeiros dias de vida do seu filho ou filha.
O gesto do STF prestou um bom serviço à causa da cidadania, além da óbvia demonstração da importância da paternidade responsável, do conceito de afetividade como bem jurídico tutelado e da proteção integral à criança como princípio fundamental a ser protegido de forma absolutamente coletiva. O direito à paternidade responsável (§ 7º, art. 226, Constituição Federal) é uma importante evolução social, pois significa dizer que cabe ao pai, solo ou não, o direito-dever de proteger a criança dele nascido. É que a concessão da licença de 180 dias para o “pai solo” – longe de simbolizar simples dias de folguedos e folgas – é um claro reconhecimento de que a tarefa de cuidar da prole é solidária e comum a toda entidade familiar (art. 226, § 4º, CF), e não um dever destinado à mulher pelo carcomido patriarcado. Ir para a “noitada”, neste caso, é sinônimo de acalentar seu bebê quando o sono se recusa a frequentar seus primeiros sonhos. “Dedicar-se à bebida” é levar o alimento reivindicado em choro. “Cair na gandaia” nada mais significa do que dormir com a sua cria, sentindo o perfume que exala do pequeno corpo, não esmorecendo quando despertado para uma nova “folia”, ainda que seja o trocar da fralda que teima em ficar suja nos horários mais inconvenientes possíveis.
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A proteção integral à criança (artigos 226 a 229, CF), presente no inclusivo julgamento, foi amplamente debatida e reconhecida como dever da família, da sociedade e do Estado, rechaçando-se a tese de que a sua implementação estaria subordinada à questão econômica e orçamentária. O determinante na extensão da licença-maternidade ao “pai solo” fora a necessidade de fixar tese vinculante no sentido de que a criança tem o direito de ter a sua vida compartilhada com a sua família, monoparental ou não. Afinal, falar, engatinhar, andar, crescer, aprender, brincar, jogar, namorar, reproduzir, dentre outros, são algumas das etapas que exigem a presença da sua entidade familiar, seja ela formada como afetivamente for. Especialmente nos primeiros 180 dias, quando a relação de afetividade firmará as primeiras e definitivas características da criança rumo ao complexo mundo dos adultos.
Como a decisão do STF, a paternidade não mais precisará “pedir licença” para ocupar o seu lugar de coparticipe da criação. O pai ausente e exclusivamente provedor teve uma derrota judicial importante, mas, infelizmente, o machismo estrutural ainda teima em fixar moradia nas mentes de vários homens e mulheres. Não aprendemos as lições ensinadas pelos povos originários que – como testemunhou em 1523 o historiador Pero de Magalhães Gandavo, em seu livro “Tratado da Terra do Brasil. História da Província Santa Cruz” – reservavam aos homens a tarefa de criar os pequenos curumins em seus primeiros dias por nossa Pindorama, como “se paridos estivessem”. A História afirma que tudo é questão de tempo e que o tempo da criação exclusiva imposta pelo patriarcado não tem o dom da eternidade. Espera-se agora que a coisa julgada pelo STF se torne coisa vivida em definitivo no Brasil, sem direito à rescisória moralista.
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