No passado, a imagem da Justiça que conhecemos não possuía a venda que cobre os seus olhos; portava só a balança sem fiel e a espada. Nos meus 50 anos do exercício da advocacia, já vi de quase tudo: condenados absolvidos, inocentes condenados, decisões e recursos protelatórios, ministros cassados, ministros abandonando a toga, advogados presos…
Há advogados corajosos, outros nem tanto, direção dos Conselhos Seccionais e do Conselho Federal submissas a procedimentos arbitrários. O Estatuto da Advocacia reconhece que a advocacia é imprescindível à Justiça.
Vitórias e derrotas ocorreram sempre dentro dos preceitos da busca pela melhor e justa solução para os muitos aspectos das contendas.
Hoje, dando passos curtos em direção à eternidade, assusto-me com os novos tempos, que não são tão novos, mas muito esquisitos.
Desde a “Operação Lava-Jato”, titulares do poder de governar os três poderes da República têm sofrido para levar ao término milhares de processos que acusam muitos dos responsáveis por suas indicações aos tribunais superiores; dessa forma, juízes dos mais distantes rincões do país, desiludidos com decisões em cortes superiores, ou desistem da magistratura ou se adaptam aos novos tempos; mas agem como donos do poder, ameaçam advogados, promotores e testemunhas, e transferem aos agentes da lei a mesma arrogância que manifestam em suas audiências.
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A imagem da deusa Themis é motivo de galhofa, e dela tiram a balança, a espada, a venda e o respeito.
PublicidadeO jurista José Fábio Rodrigo Maciel escreveu didático artigo na revista Carta Forense, intitulado “Por que a Justiça é cega”, que se adequa ao olhar aqui exposto, diz ele: “A venda tem como função básica evitar privilégios na aplicação da justiça, sendo a balança o instrumento que pesa o direito que cabe a cada uma das partes e a espada item indispensável para defender os valores daquilo que é justo, já que a norma sem a possibilidade de coação dependeria apenas das regras de decência e convivência de cada comunidade, o que seria ineficaz para garantir o mínimo ético indispensável para a harmonia social. Podemos dizer que a espada sem a balança é força brutal, assim como a balança sem a espada tornaria o Direito impotente perante os desvalores que insistem em ser perenes na história da humanidade”.
A explanação de José Fábio Maciel é suficiente para esclarecer o tema mitologicamente, mas não o é para tornar clara a imagem dos tempos atuais. Na nossa Suprema Corte, os julgamentos transmitidos ao vivo expõem as vísceras de cada magistrado que, possuindo, em tese, notável saber jurídico, partem para o confronto com seus pares armados com espadas, jogando a balança ao chão e, de olhos vermelhos de sangue, partem cegos para a batalha que acham ser a final.
É nesse confronto que as batalhas surgirão a cada dia, quando a mídia receber documentos que saem dos autos com a colaboração de inimigos do sigilo. Protegidos pela Constituição Federal, se utilizam do direito à livre expressão e levam aos cidadãos os mistérios que existem na proteção de poderosos.
A ministra Carmen Lúcia, jurista e humanista, quando presidente do STF, afirmou que “Cala a boca já morreu”, ressaltando o direito à livre manifestação de todos.
O inquérito sobre ofensas contra ministros do STF, instaurado pelo ministro Dias Toffoli e relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, é esdrúxulo, e Moraes poderia não ter entrado nesse imbróglio ao recusar a estranha missão e sugerir ao presidente a submissão da questão ao Plenário da Suprema Corte. Não o fez, e, agora, com repercussão internacional da celeuma, terá que, junto com Toffoli, retirar a venda dos próprios olhos e ver não a Justiça a ser feita, mas o estrago que causaram a nossas instituições democráticas.
O fiel da balança não existe para que cada magistrado possa sopesar a sua responsabilidade e colocar o nível no lugar certo, caso contrário serão os infiéis da justiça, da lei e da democracia.
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