Frente a um desafio sanitário do tamanho da covid-19, é difícil escrever sobre o 8 de março, com as mulheres impedidas de ir às ruas e, entre as inúmeras jornadas diárias que continuam a nos exigir muito mais que aos homens, buscando diferentes maneiras de resistir e existir em um país convulsionado por inúmeras crises, um país cada vez mais cruel e menos respeitoso aos direitos que arduamente conquistamos nas últimas décadas.
No mundo inteiro a pandemia escancara as desigualdades de gênero e contribui imensamente para aumentar os níveis de violência contra as mulheres. Lockdowns, restrições de movimentos, obrigatoriedade de estar em casa, abre e fecha das escolas – todas essas medidas, que são essenciais para o controle do novo coronavírus, fizeram crescer o estresse geral e, especialmente, o intrafamiliar, tornando ainda mais difícil para quem sofre violências denunciar os abusos e buscar ajuda.
É verdade que esse é um desafio global. Mas é igualmente verídico que no Brasil a situação é pior e vem se agravando em comparação com os demais países. A tal ponto que hoje aqui não faz sentido gritar que “machistas não passarão”, porque eles passaram, todos, um a um, como uma boiada. Na (indi)gestão do governo Bolsonaro, mulheres que defendem os direitos das mulheres não têm espaço: as que estão em instâncias decisórias no governo federal nunca foram tão poucas, e tão ruins, principalmente no que diz respeito aos direitos das meninas e mulheres, em toda sua diversidade. O grito que faz sentido hoje, o grito que precisamos gritar com muito mais força, é o de “machistas não ficarão”.
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E que não fiquem por muito tempo. A liderança das mulheres na vida política é um dos compromissos que o Brasil assumiu ao assinar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (meta 5.5), mas que, desde 2017, vem sistematicamente descumprindo. Com apenas duas ministras entre 23 pastas, Jair Bolsonaro nos colocou em um dos piores lugares no ranking de participação feminina no Executivo entre todos os países do mundo. Enquanto a média internacional é de 20,7%, aqui temos apenas 8,7% dos ministérios ocupados por mulheres – lembrando que entre 2005 e 2016 esse índice era de 27%.
Sobre isso, em 2019, no Dia Internacional das Mulheres, Bolsonaro declarou que “pela primeira vez o número de ministros e ministras está equilibrado num governo (…) cada uma das duas mulheres ministras, equivale por dez homens”. Essa fala da nossa maior autoridade nacional não foi brincadeira, foi o atestado de sua mente sexista que ignora, de propósito, que a igualdade de gênero, além de ser um direito humano fundamental, é a base para um país inclusivo, próspero e sustentável, um país que, como as evidências demonstram, o governo federal se recusa a construir.
E com a recusa do presidente em cuidar da pandemia da Covid-19, a vida das mulheres apenas piorou. Segundo o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos sobre os serviços Disque 100 e Ligue 180, em 2020, o país teve 105.671 denúncias de violência contra a mulher, cerca de uma a cada cinco minutos. Mas, ao invés de enfrentar o problema, o governo optou por cometer uma das mais graves violências institucionais e se omitiu, gastando apenas 25% da verba (que já era pequena) para combate à violência contra a mulher, o menor percentual utilizado em dez anos.
Enquanto isso, em meio à crise econômica, as mulheres representam o maior número no mercado informal e suportam a maior carga das atividades domésticas que, por sua vez, continuam a não ser encaradas como trabalho. Sem uma rede de apoio para dividir as tarefas do cuidado, no último trimestre de 2020, o percentual de brasileiras procurando emprego caiu ao nível de 30 anos atrás, 45,8%. As violências, inclusive o racismo estrutural, que marcam a cultura nacional e hoje encontram eco no planalto central, aprofundam ainda mais essas desigualdades.
É olhando esse nosso desmantelo verde e amarelo que hoje escrevo. E que hoje me uno às vozes que celebram as mulheres, inclusive aquelas que, nos governos centrais, mundo afora, têm construído as melhores respostas à covid-19. No meio do caos, é melhor focamos nas lições aprendidas que nos mostram, agora mais que nunca, que não haverá saída para as múltiplas crises – sanitária social, ambiental e econômica – sem que os direitos humanos, e a igualdade de gênero, estejam no centro das respostas. Respostas que, vale lembrar, as mulheres historicamente sempre construíram para beneficiar toda a sociedade, sem deixar ninguém para trás.
Nesse 8 de março reafirmamos, então, o que sempre soubemos – mas que agora o mundo inteiro já sabe também: que o Brasil, governado por esses homens, na sua maioria branca e racista, não teria mesmo como dar certo. Não daria certo antes e não tem como dar certo agora quando, além das desigualdades que sempre nos marcaram, cabe-nos, com urgência, vencer a pandemia da covid-19. Eles passaram, sim. Mas eles, machistas, não ficarão.
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