Desculpe, amore mio, mas você não é uma pessoa livre. Tudo bem que você lê o que quer, assiste o que quer, entra nos sites que quer, leva pra casa o jornal que quer, se comunica com quem quer, vota em quem quer, compra os produtos que quer, come o que quer, pensa como quer… Logo, acha que é livre. Mas não é. Vamos fazer um teste rápido. Quando recebe um vídeo pelo WhatsApp com uma crítica aos evangélicos radicais você o reenvia para todo mundo ou evita enviar aos amigos evangélicos? E quando recebe um texto simpático ao candidato que você apoia, você o reenvia pra quem não gosta dele ou prefere evitar o estresse e só manda pra quem já gosta?
No mundo cyber, a lógica é precisamente a mesma. Ou seja: em vez de você escolher o que disponibilizará ao seu grupo, um mecanismo automático embutido em plataformas como o Facebook, com uso de um treco chato pra explicar, chamado algoritmo, faz isso de forma imperceptível. Por esta razão, ao comprar um livro de poesia pela internet, logo depois você recebe ofertas de outros livros de poetas.
A Lula o que é de Lula. A Doria o que é de Doria
O tal do algoritmo retroalimenta desejos de consumo e inclinações políticas, religiosas, esportivas etc. Se ele descobrir que você é torcedora do Corinthians, nunca receberá oferta de compra de uma camiseta do Palmeiras. Se aprecia o Lula não vai receber notícias sobre a propina que dizem que ele recebeu da Odebrecht. Se você aprecia o Doria, só vai receber notícias e comentários que encham a bola dele. Crítica sobre aquela farinata de alimentos que estavam perto de vencer e ele ia dar aos pobres, nem pensar.
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– Caramba, xuxu! Tô bege. Isso é uma novidade assustadora!
Errou de novo, benzinho. Não tem nada de novidade. Isso aí existe desde que o diabo era menino. Lá nos atrásmente, como diria o Odorico, quem era getulista lia a Última Hora de Samuel Weiner. Se combatesse Getúlio, lia a Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda. Esses jornais funcionavam como câmeras de eco – veículos de reiteração contínua de determinados pontos de vistas.PublicidadeA segregação ideológica
Os sites de busca funcionam da mesma forma. Só que a partir de algoritmos que realizam uma efetiva segregação. Uma segregação ideológica. E essa segregação faz com que as ofertas de informação numa plataforma como o Facebook sejam realimentadoras de pontos de vistas. É como se você morasse dentro de uma câmara de eco. Isso num grau de sofisticação inimaginável, pois o algoritmo leva em conta inclusive a linguagem utilizada, os sites visitados. Se escrevo “lulopetismo” num texto, mesmo numa mensagem particular, o algoritmo traduz que sou alguém contra o Lula e o PT. Se uso a expressão “golpista”, ele entende que sou petista ou simpatizante do bloco dos partidos de esquerda. Se revelo admiração por armas nunca vou receber ofertas de sites pacifistas. Se gosto de alimentos orgânicos, o algoritmo vai me oferecer comida natural e também sites feministas, contrários à homofobia etc.
– Mas, meu bem, o que tem a ver comida orgânica com homofobia e feminismo?
Simples, lindinha: o algoritmo entende, por similitude, que um natureba tem grandes possibilidades de ser uma pessoa progressista. Ou seja: cada vez que eu teclo um texto numa rede social ou realizo uma busca pela internet estou expondo minhas inclinações ideológicas e morais, que são capturadas pelo algoritmo, processadas e devolvidas na forma de ofertas de conteúdos que estejam afinadas com o que penso ou defendo. Entendeu?
Meu casaco de peles está um lixo!
– Ih, amor, então estou perdida! Agora entendi porque depois de comprar aquela bolsa da Louis Vuitton toda vez que entro do Facebook aparecem ofertas da Prada, da Chanel, da Cartier, da Hermés, da Gucci. Parece que não sou livre mesmo.
E não é mesmo, darling. As câmaras de eco produzem um fenômeno chamado isolamento ideológico. Como é confortável ficar lá dentro, recebendo só informações que reforcem nossas convicções e nunca as põem em dúvida, a gente não tem qualquer estímulo pra sair e pensar fora da caixinha, entendeu? Ah. Antes de sair pra comprar aquele vestido da Lanvin que você gostou, dê uma olhadinha nesse artigo que eu achei aqui no G1 contra roupas feitas com peles de animais.
– Ah, paixão, eu odeio quem faz essas maldades com os bichinhos. Mas não vou ler pra não ficar com remorso. E estou atrasadérrima! Veja se acha aí uma lavanderia de confiança que lave casacos de pele, aquele meu está um lixo, te amo horrores, agora tenho de ir, tchau, cherry!
(Ao concluir este artigo apareceu na tela a oferta de um site chamado dicasdemulher.com.br. Bem feito. Quem mandou pesquisar sobre as marcas mais famosas do mundo? O algoritmo, ó: créu!)
<< Então, fica combinado assim – noções de realidade à brasileira