Luís Kimaid*
O uso de tecnologias digitais viu um crescimento exponencial durante a pandemia de Covid-19. Diferentes órgãos da administração pública viram na pandemia a oportunidade para a sua transformação e aceleraram a sua busca por converter processos analógicos para o digital, visando ganho de efetividade, transparência e resiliência.
O poder legislativo não ficou atrás. Parlamentos ao redor de todo o mundo seguiram medidas para preservar suas atividades de forma remota e agora estão contemplando um amplo processo de transformação digital, contudo, profundamente diferente das demais organizações.
Apesar de diferenças significativas com relação às dinâmicas políticas locais e tradição institucional, na jurisdição que a Casa Legislativa representa, vemos que há uma grande similaridade dos desafios e soluções contempladas na estratégia de transformação digital. Contudo, é importante notar que existem padrões facilmente notáveis de prioridades elencadas pelas Casas Legislativas que podemos notar por região do globo, país, sistema parlamentar, tamanho do parlamento, perfil da equipe de servidores, cultura política local e acesso ao ecossistema LegisTech. Por exemplo, as Casas Legislativas, nacionais e subnacionais, da Oceania, em especial na Austrália e Nova Zelândia têm seu foco na redação legislativa, usando Rule as Code.
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Parlamentos são Casas de natureza política, cuja base do processo de tomada de decisão é a construção de consensos. Alguns estudiosos vão além e dizem que a natureza do processo de tomada de decisão no legislativo previne a instituição de assumir o risco de se modernizar e de usar novas tecnologias. Enquanto alguns atores, pelo desconhecimento da natureza das Casas Legislativas, buscam impor um modelo que é pertinente apenas à iniciativa privada, ou a outros poderes, como o Executivo e o Judiciário.
Vemos de forma recorrente que o poder legislativo é aberto à modernização e à transformação digital, porém requer de maneira inegociável profundo conhecimento do processo legislativo, de estratégias de transformação digital e da natureza tradicional da instituição.
Todo o projeto de transformação digital no legislativo que confronte a tradição da instituição, ou mesmo perturbe o equilíbrio de poder do jogo político tende a fracassar.
Para se ter ideia, somente no Brasil, em levantamento realizado pela Bússola Tech em 2020, estima-se que a capacidade de investimento por parte de gabinetes parlamentares estaduais e federais sozinhos a cada 4 anos é de R$2,8 bilhões e com um potencial de investimento da instituição ainda maior.
O Legislativo requer soluções que tragam mais efetividade para as suas atividades, em primeira análise, a qualidade do trabalho de seus usuários internos, ou seja, servidores, assessores parlamentares e membros do parlamento. É muito interessante pensarmos na Comissão Especial de Modernização do Congresso nos EUA, que atua na construção de consensos institucionais ao elencar prioridades.
Vamos pensar em um exemplo. A imagem mais clara que alguém pode ter de uma Casa legislativa é de seu plenário lotado, com discursos enfáticos sobre posições de cada parlamentar e grupo político. Pense que essa imagem reflete apenas uma pequena parcela da atividade legislativa e uma das etapas mais desafiadoras da atividade legislativa é a redação de proposições. Pense na proposta orçamentária e imagine a Casa legislativa discutindo centenas, quando não milhares de emendas ao texto original. Pense no parlamentar que está fazendo uma proposição legislativa e não sabe que já existem outras idênticas à sua já trazida por outros parlamentares.
Participando deste processo, de forma extremamente técnica e efetiva, há algumas startups que atuam diretamente na transformação digital do legislativo, as LegisTech, conceito desenvolvido pela Bússola Tech em 2018. Essas empresas de base tecnológica, têm no legislativo o seu cliente final e na maioria dos casos trabalham exclusivamente com a instituição legislativa.
Apesar da transformação digital do poder legislativo ter diferentes dimensões e focos de prioridades, a Bússola Tech estima que a digitalização do processo legislativo responde a cerca de 95% da demanda mundial. Isso faz com que o foco dos empreendedores LegisTech atue na resposta desta demanda.
O empreendedor que deseja apoiar o Poder Legislativo em sua transformação pode ver esses movimentos e se motivar, porque as perspectivas são muito positivas.
Um número exponencialmente maior de Casas Legislativas está buscando ferramentas digitais para a solução de seus desafios na digitalização completa do processo legislativo, indo da proposição inicial, passando pela redação legislativa, definição da pauta de votações, pelos debates e o voto. O parlamentar pode ser em alguns casos o seu usuário final, mas é preciso engajar com servidores técnicos das Casas, tais como os diretores de T.I. e aqueles que servem na condução dos trabalhos legislativos, costumeiramente chamados de Secretários-Gerais da Mesa.
Às Casas Legislativas é recomendado que não façam qualquer contratação de soluções digitais, até que a sua estratégia de transformação digital e suas prioridades sejam bem estabelecidas, em consonância com os desafios internos mapeados. Vale ressaltar o caso do Parlamento da Irlanda, que antes de qualquer implementação tecnológica fez uma ampla pesquisa com outras Casas Legislativas, para entender quais caminhos tomar.
Podemos dizer que o conceito de LegisTech é fundamentalmente necessário para a modernização do poder legislativo, de forma a trazer mais efetividade e transformação institucional. Contudo, é primordial entender e respeitar a natureza da instituição legislativa como a guardiã de valores sociais e políticos históricos, que são traduzidos em processos repetidos por décadas, quando não séculos. Em uma Casa de natureza inerentemente política, nenhum processo existe por acaso, ele atende a uma determinada visão ou consenso que prevaleceu em um momento histórico. A modernização institucional faz parte da reciclagem dos processos internos, implementados com base em valores caros à nossa sociedade.
*Luís Kimaid é CEO Bússola Tech e Cientista Político
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