Há poucos dias um dileto amigo perguntava minha opinião sobre o uso de expressões inglesas no cotidiano dos brasileiros. A solução seria mais uma lei?
O fato é que a preocupação com o idioma nacional não é exclusiva dos brasileiros. Em 2006, o uso de placas de lojas e restaurantes em inglês foi proibido em Xangai, na China. Um porta-voz do governo, à época, assim declarou: “Placas em idioma estrangeiro dificultam a compreensão das pessoas e criam barreiras de comunicação entre chineses”.
Ainda naquele ano, na Rússia, o Parlamento aprovou uma moção proibindo o uso dos termos “dólar” e “euro” pelas autoridades, quando fosse possível a referência à moeda nacional, o rublo. Há poucos meses, demonstrando preocupação com os símbolos nacionais, os legisladores russos se rebelaram até contra as propagandas de Coca-Cola pintadas na lateral das máquinas de vender refrigerantes daquela casa de leis.
Aqui mesmo no Brasil, uma lei de 1997 penaliza com multa quem cometer erros de gramática ou ortografia na cidade de Pouso Alegre (MG). E em Guarujá (SP), desde 2002 erros de português em faixas e placas são punidos com multas.
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Esta preocupação com o idioma nacional é saudável. Ainda na semana passada um amigo, médico conceituado em Vitória (ES), me dizia da dificuldade de passar para um paciente humilde, do interior distante, o nome do prédio no qual tem consultório – um dos “Medical Health Surgery Diagnostic Center Plaza Building Towers” da vida.
Ocorre, no entanto, que dificilmente uma lei consegue alterar essa realidade – servirá mais como elemento inspirador. Uma baliza, um alerta, eis o grande mérito desse tipo de iniciativa. A solução do problema, porém, virá principalmente da formação de uma consciência nacional e de um sentimento de brasilidade no seio de nossas classes mais instruídas.
Todos vemos, por exemplo, as humilhações a que são submetidos os brasileiros em viagem para alguns países – até os sapatos de um ministro de Estado que representava o Brasil já mandaram tirar, durante lamentável “baculejo” em um aeroporto. No entanto nossas elites continuam indo para lá, alegremente! As discriminações? Ora, busque-se ter um passaporte estrangeiro!
Nossos compatriotas têm sido barrados e deportados aos milhares, da forma mais humilhante possível, de países que já nos abarrotaram de gente – e, no entanto, continuamos entregando nossas melhores empresas a grupos desses mesmos países, aprofundando a cada dia mais um vergonhoso e perigoso processo de desnacionalização do nosso parque industrial.
A grande verdade é que a visão desfocada das nossas elites tem criado um Brasil que reserva aos estrangeiros o melhor de sua paciência, compreensão e generosidade. Já aos seus filhos mais humildes, preconceituosamente rotulados de “Zé-Povinho”, reserva-se um sentimento até difícil de descrever, que gravita em algum lugar entre a vergonha e a indiferença, como se culpados fossem pelo atraso que nos flagela – logo eles, que quase nunca gerenciaram nossos serviços de transporte, saúde, segurança, educação etc.
E é assim que o “Zé-Povinho”, mais vítima que culpado, dentro em breve decerto precisará até de alguma lei para conseguir entender, sem a ajuda de intérpretes, o que nossos letrados estão a dizer e escrever.