Existem similitudes entre a política eleitoral e o jogo de xadrez. Senão, vejamos. Uma das capacidades fundamentais para ser um bom enxadrista é conseguir calcular as possíveis 3 ou 4 jogadas à frente. Alguns gênios do jogo, como Emanuel Lasker (1868-1941), Anatoly Karpov (1951), Garry Kasparov (1963) ou Bobby Fischer (1943-2008) conseguiam/conseguem visualizar até 8 jogadas à frente. Mas o que tornou esses jogadores diferentes dos demais, além do talento nato para o jogo, é que eles estudavam a fundo os padrões das jogadas, por isso o cálculo que faziam era quase sempre correto. O problema é que não dá pra repetir essa proeza sempre, ainda mais quando se disputa um campeonato com tempo limitado.
No atual momento político brasileiro, está sendo muito difícil para a oposição fazer o eleitor prever minimamente os cenários possíveis diante do quadro de candidaturas registradas. O eleitor não foi educado para estudar o padrão, ou seja, a história das eleições, e o tempo para estudar a jogada é extremamente exíguo. A eleição vai ocorrer daqui a poucos dias.
Os analistas concordam que é fundamental para o futuro do país afastar de uma vez por todas o fantasma do bolsonarismo, e com ele os terríveis malefícios causados ao país em todos os campos. Basta fazer uma única pergunta e até os bolsonaristas mais ferrenhos vão se encalacrar na resposta: – Cite uma área, uma só, da saúde à educação, da infra-estrutura à administração pública, do planejamento à política econômica, onde o atual governo acertou? Vão se encalacrar porque não existe nenhum aspecto do atual governo digno de reconhecimento, pois conseguiu a proeza de errar em tudo.
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O problema é que o bolsonarismo não se explica racionalmente. É uma seita. Bolsonaro e seus comparsas podem agir como quiserem e bem entenderem que, aos olhos de seus seguidores, estarão sempre certos. Tal como no nazismo ou no fascismo, o fundamental é seguir cegamente o líder, e jamais questionar seus atos.
A parcela do eleitorado que ainda consegue fugir da polarização, e insiste na possibilidade de sucesso de uma terceira via (por mais que as pesquisas indiquem que não há um candidato com musculatura suficiente sequer para entrar no jogo), não consegue calcular uma, que dirá duas jogadas à frente. Ainda não se deu conta de que a simples possibilidade de haver segundo turno já constitui risco absurdo de vitória bolsonarista.
Para quem se habituou a analisar a cena política a partir de dados concretos, sem os antolhos do fanatismo ideológico, está bem claro que o jogo precisa terminar na primeira jogada, ou seja, no primeiro turno, para afastar de uma vez os riscos de derrota no segundo turno. Porque ali tudo pode acontecer. É preciso lembrar que, neste momento, Bolsonaro está atrás de Lula nas pesquisas, mas por margem pouco confiável. Vale dizer que qualquer movimento em falso dentro da margem estreita que separa o eleitor oposicionista do eleitor bolsonarista pode ser fatal. E olha que Lula já deu várias pisadas de bola perfeitamente evitáveis, como hostilizar o tucanato, esquecido de que seu vice saiu de lá, para ficar num único exemplo.
Bolsonaro, apesar da euforia desenfreada dos petistas, é um candidato forte, sim. E deve ser levado a sério. É bom não esquecer que ele entra em campo com a caneta na mão, ou seja, a possibilidade de “comprar” votos através da distribuição das benesses que mais tocam o eleitorado de baixa renda, aquele que forma a maioria, como os diversos auxílios. Além disso, ele está com o apito na boca, e não se ruboriza em usá-lo a seu favor. Basta lembrar da PEC das bondades, uma emenda à Constituição que permitiu a distribuição de recursos públicos em pleno período de pré-campanha, o que até então era totalmente vetado pelo texto constitucional. Quem garante que nos laboratórios montados em torno do “gabinete do ódio” já não estão sendo tramadas novas medidas com o mesmo impacto? Com um Congresso comprado a peso de emendas e outras prebendas, quem pode garantir a lisura legal dessa eleição?
A fatia do eleitorado que funcionará como fiel da balança, ou seja, quem vota fora da dicotomia Bolsonaro-Lula, dificilmente vai conseguir prever duas jogadas à frente. Foi ensinada a escolher o candidato que considera o melhor. Mas não consegue olhar para mais adiante e entender que, se a parada não for resolvida no primeiro turno, a vaca pode, sim, ir para o brejo no segundo. E aí, adeus viola.
O eleitor não foi orientado no sentido de escolher entre o menos pior, mas o que considera melhor. Mesmo que isso redunde num resultado francamente oposto ao que poderia desejar. Recebi de um eleitor que sempre votou contra o PT uma mensagem por whatsapp que explicita bem essa situação, e que vale como ensinamento para a compreensão do atual xadrez eleitoral: “Se desta vez o eleitor insistir em votar no que considera o melhor candidato, mesmo sem chance de vitória, pode botar tudo a perder, porque em política, muitas vezes é preciso apostar no menos pior. O ótimo é inimigo do bom. Eu, que nunca tolerei o PT e que tenho sérias restrições aos governos petistas, vou tapar o nariz e cravar o 13 no dia 3 de outubro. Porque eu quero acordar desse pesadelo”.
O que me lembrou uma outra mensagem que circulou na eleição de 2018, e que já advertia: “Não sou petista, mas não sou doido. Por isso, meu voto é 13”.
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