Vinicius do Valle
Na última segunda-feira, Marina Silva fez uma coletiva de imprensa em conjunto com o ex-presidente Lula, na qual divulgou o seu apoio à candidatura do petista à presidência da república. O gesto recebeu atenção privilegiada da imprensa e do meio político, visto a importância simbólica da ex-candidata à presidência pela Rede Sustentabilidade. Ao longo da coletiva, Marina classificou o atual presidente Jair Bolsonaro como uma ameaça à democracia. Além disso, teceu diversas críticas à política ambiental e social do atual governo, e classificou como mentira o discurso, de alguns dos apoiadores de Bolsonaro, de que Lula iria fechar igrejas caso eleito.
Marina Silva é uma figura conhecida entre evangélicos. Já teve o apoio político de lideranças evangélicas importantes, incluindo pastores midiáticos de viés conservador, como Silas Malafaia, Marco Feliciano e José Wellington Bezerra da Costa. O apoio de Marina a Lula, nesse sentido, pode atenuar a pecha de “anti-cristão” do candidato petista e, no limite, servir como um impulsionador do voto de evangélicos indecisos ao ex-presidente.
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Não é de se ignorar, inclusive, a hipótese de que o ex-presidente Lula tenha uma quantidade de votos além do esperado nesse segmento. Além, inclusive, das margens de erro das pesquisas. Isso não significaria que essas pesquisas teriam sido mal conduzidas. Pesquisas de intenção de voto, mesmo bem-feitas, guardam pontos cegos. As pesquisas de tipo survey se baseiam num tipo de metodologia que capta não o que as pessoas fazem, mas aquilo que elas dizem que fazem – e no caso das pesquisas eleitorais, capta o que as pessoas dizem que pretendem fazer.
A questão é que as pesquisas não captam o chamado “eleitor envergonhado”, ou seja, o eleitor que diz votar em um candidato – aquele que é o preferido no seu meio social -, mas, na verdade, vota em outro: naquele que, intimamente, tem a sua preferência. É esperado que candidatos com alta rejeição ou com posições politicamente-incorretas tenham também certo índice de eleitores envergonhados.
Felipe Nunes, doutor em Ciência Política pela USP e diretor do Instituto Quest, afirmou em um programa de TV que seu instituto realizou uma pesquisa utilizando uma metodologia estatística-experimental que visa justamente captar a incidência de eleitores envergonhados no cenário político atual. Grosso modo, a técnica é baseada no princípio de que o entrevistado não precisa dizer em quem vota, mas sim apontar, em uma lista de sentenças, quantas sentenças ele concorda. Entre as frases presentes, há uma que indica o seu voto. O resultado do teste, segundo Nunes, é que há sim uma parcela significativa de “envergonhados” no eleitorado brasileiro, e essa parcela votaria em Lula.
PublicidadeÉ perfeitamente plausível a hipótese de que esses envergonhados são eleitores evangélicos. Há uma pressão tão forte nas igrejas para o voto em Jair Bolsonaro, que o eleitor de Lula desses espaços pode estar escondendo seu verdadeiro voto. Diz que vota em Bolsonaro, para não desagradar os pastores e para não ser mal visto na sua comunidade, mas intimamente vota em Lula. Em outras palavras, a politização das igrejas por Bolsonaro foi tão forte que é possível que tenha gerado um eleitorado evangélico lulista subnotificado, agora inflado por Marina Silva.
É claro que não estamos falando de uma “maioria silenciosa” lulista entre evangélicos. Certamente, há uma prevalência de bolsonaristas nesse segmento. No entanto, a existência de uma parcela evangélica subnotificada de eleitores de Lula pode fazer a diferença para a ocorrência ou não de um segundo turno, ou mesmo para o caso de a eleição vir a se acirrar até a sua conclusão.
*Vinicius do Valle é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico, e atua na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e em outras instituições, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos, além de realizar pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss).
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