Está nas mãos do ministro da Articulação Política, Alexandre Padilha, uma proposta de emenda constitucional que impede a volta aos quartéis de todo militar que pretenda se aventurar na política. O texto é do Ministério da Defesa e está pronto para envio à votação no Congresso. Obriga a transferência automática à reserva de militar da ativa, independentemente da patente, que se filie a partido político ou se candidate em eleições. A regra é definitiva: entrou na política, não volta à carreira. O ministro da Defesa, José Múcio, acha que a aprovação desse projeto pode ser o maior legado de sua gestão, impondo uma inflexão na politização dos quartéis.
O projeto indica preocupação do governo em resguardar institucionalmente as Forças Armadas em meio às denúncias da participação de oficiais nos atos golpistas de janeiro. Segundo Múcio, a proposta tem total respaldo das três Armas. “Chegar a esse consenso”, disse ele ao canal MyNews, “deu trabalho”. Múcio gostaria de ver o projeto aprovado rapidamente. Também diz ter pressa na identificação dos militares envolvidos em tentativas de desmoralizar as urnas eletrônicas e as eleições de outubro passado, denúncia feita pelo hacker Valter Delgatti à CPI mista que investiga o ataque de 8 de janeiro às sedes do Congresso do Supremo Tribunal Federal e ao Palácio do Planalto.
Leia também
Delgatti disse que esteve cinco vezes no prédio da Defesa, na Esplanada, uma delas com o então ministro, general Paulo Sérgio Nogueira. Múcio pediu à PF os registros desses encontros, mas foi direcionado a procurar o ministro Alexandre de Moraes. O ministro afirma que não quer “socializar” a suspeição sobre as Forças Armadas e, para isso, precisa “fulanizar” os envolvidos — na expressão consagrada pelo ex vice-presidente Marco Maciel. “Quero os nomes”, reclama.
A intenção é levar a CPMI a investigar militares envolvidos em crimes e puni-los — inclusive os generais —, mas deixar claro que não houve patrocínio da instituição a uma conspiração para derrubar o governo recém-eleito. Ao contrário, nas cúpulas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica a maioria decidiu não aderir às propostas golpistas.
A estratégia do governo é apontar Jair Bolsonaro como mentor do golpe. Isso ficou claro nas declarações do ministro da Justiça, Flávio Dino — com quem Múcio almoçou na quarta-feira. “No período passado, talvez o comandante supremo da época, o ex-presidente da República, não tenha dado ordens corretas e isso pode ter gerado que alguns membros das Forças Armadas tenham cometido eventuais erros ou até crimes”, afirmou, numa referência velada à ideia da “obediência devida”, já que militares são obrigados a cumprir ordens de superiores.
Ao mesmo tempo, Lula tenta uma reaproximação com as Forças, destinando à Defesa uma fatia de R$ 53 bilhões no novo PAC, para projetos estratégicos — e que se arrastam há anos —, como o submarino de propulsão nuclear. Nesse quadro, nada indica que Lula — como gostariam o PT e outros setores da esquerda — terá qualquer iniciativa para rediscutir o papel das Forças Armadas, como a revisão dos currículos das escolas de formação, ainda baseados nas doutrinas da Guerra Fria, ou mudanças na atuação na segurança pública. Lula optou pela ponderação, torcendo para que seus efeitos sejam duradouros.
Publicidade