Há alguns dias, quando se sentou com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para tratar da PEC da Transição, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva fez um ensaio de discussão de mudanças no orçamento secreto. O que teria ouvido de Lira foi uma ducha de água fria nas pretensões de, por ali, haver alguma alteração.
Segundo informações, no meio da conversa, Lula teria ensaiado dizer que, em um segundo momento, seria necessário adotar outros procedimentos para as emendas de relator. E a resposta de Lira teria sido a seguinte: “Presidente, a mesma capacidade de arregimentação que eu teria para aprovar a PEC da Transição, eu tenho para aprovar uma mudança constitucional que permita manter igual essa questão do orçamento”.
Mais uma vez, Lula precisou tirar para dançar essa dama inexorável chamada Realidade. Quando a federação do PT e o PSB comunicaram que apoiariam a reeleição da Arthur Lira para a presidência da Câmara, já comentávamos por aqui que isso acontecia muito mais pela constatação da realidade que por um real desejo de permanência do atual comando dos deputados.
Arthur Lira é a realidade que se impõe. Lula não teria força para derrubá-lo da presidência da Câmara. Não teria força para aprovar a PEC da Transição sem negociar com ele. E não tem força para alterar o poder adquirido por Lira na distribuição das verbas orçamentárias em uma negociação que passe pelo Congresso.
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Na entrevista que concedeu ao Congresso em Foco na semana passada, o relator do orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), reforçou com o seguinte raciocínio: a essa altura, não é somente um poder adquirido por Arthur Lira, é um poder adquirido pelo Congresso. O presidente Jair Bolsonaro abriu mão de fazer a negociação das verbas de emendas de relator, permitiu que essa negociação se desse a partir dos presidentes da Câmara e do Senado. Arthur Lira, presidente da Câmara, tem maior capacidade de liderança que Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado. Arthur Lira virou o dono da chave do cofre. “A percepção no Congresso é que isso foi empoderamento do Congresso. Difícil retroagir disso”.
Assim, não parece haver nenhuma possibilidade de mudança a partir de uma negociação entre Executivo e Legislativo. Por isso, é que hoje o meio político contrário ao orçamento secreto aferra-se no Judiciário. Se há alguma possibilidade de alteração, ela poderá vir do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Em princípio marcado para esta quarta-feira (7), mas com grande chance de adiamento.
De qualquer modo, até pelo que disse Lira a Lula, trata-se de uma discussão delicada. Se o Supremo tornar completamente inconstitucional o orçamento secreto na quarta-feira, o primeiro risco é que isso altere o humor do Congresso na sua disposição de aprovar a PEC da Transição. A votação da PEC no Senado está marcada para a mesma quarta-feira.
O segundo risco é que uma posição nessa linha do STF leve o Congresso a priorizar uma mudança constitucional para garantir o que considera suas prerrogativas, na linha do alerta que Lira fez a Lula. E isso também pode acabar comprometendo a aprovação da PEC.
Assim, aposta-se que seja mais provável que o Supremo não derrube totalmente o orçamento secreto, mas o modere de alguma forma. Module a ferramenta. Mas dificilmente Arthur Lira irá perder esse grande instrumento de poder que conquistou.
Além do orçamento desorganizado, do governo desmontado, essa é uma das heranças que o presidente Jair Bolsonaro vai deixar para Lula. Para escapar das centenas de processo de impeachment, Bolsonaro empoderou Arthur Lira. No seu raciocínio, o eleitor escolheu um presidente de esquerda e um Congresso conservador. E deu a Lula uma vitória sobre Bolsonaro, “por uma cabeza”, como diz o tango argentino. Esse é o baile. Dona Realidade está pronta para dançar com Lula…