“Temos a arte para não morrer da verdade”. A frase, do pensador Friedrich Nietzsche, nunca soou tão verdadeira como nestes tempos sombrios de pandemia.
Enquanto o Brasil encara a triste somatória de meio milhão de mortos por covid-19, a cultura tem sido a responsável por trazer à população um pouco de sintonia com a vida, um pouco de alegria e beleza em um cotidiano pesado de sofrimento, angústia e isolamento social.
O grande paradoxo em relação ao tema é que, para que a cultura nos salve, precisamos primeiro salvar a cultura.
Desde que a pandemia começou, há um ano e três meses, os profissionais do setor foram os mais afetados economicamente. Teatros fechados, espetáculos e exposições encerradas, produções musicais e cinematográficas adiadas.
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Segundo a Pesquisa de Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil, realizada pela Unesco e outros parceiros, em meados do ano passado, 48,88% dos respondentes afirmaram ter perdido a totalidade de suas receitas entre os meses de maio a julho de 2020, enquanto 21,34% tiveram a renda reduzida em mais da metade no mesmo período. Dentre as categorias, as artes cênicas (circo, espetáculo e teatro) foram as mais afetadas, com perda total de receita para 63% dos entrevistados.
A Lei Aldir Blanc, aprovada pelo Congresso no ano passado para garantir renda emergencial aos trabalhadores da área, foi extremamente importante para minimizar o impacto econômico gerado pela pandemia na classe artística.
PublicidadeA área cultural, no entanto, continua sofrendo e precisa de mais socorro para não agonizar. Por conta do extenso período de pandemia, houve um agravamento da questão econômica deste grupo, o que impõe desafios adicionais ao setor.
O problema é que, mesmo ciente da situação de calamidade dos profissionais da cultura, o Governo Federal foi, mais uma vez, omisso em formular soluções para a grave crise sofrida pela área artística do país.
Para além da ausência, houve inclusive um esvaziamento da área no âmbito público federal. A redução do status da Cultura, de Ministério para Secretaria Nacional, além da troca de diversos secretários em pouco espaço de tempo, foi um baque não só de valor político simbólico, mas também concreto, porque veio acompanhada de severas limitações orçamentárias e de falta de prioridade governamental.
Agora, o Congresso Nacional, atendendo ao pleito da sociedade, tenta criar uma nova possibilidade para que a classe artística receba mais recursos emergenciais e consiga enfrentar este difícil momento. Trata-se de Projeto de Lei, de iniciativa do Senado, que visa injetar R$ 4,4 bilhões no setor cultural.
O texto foi batizado de Lei Paulo Gustavo em homenagem ao grande ator e humorista que morreu em decorrência da covid-19. A previsão é de que seja votado no plenário do Senado nas próximas semanas.
Se aprovado, o PL trará um sopro de esperança para cultura. Do total de R$ 4,4 bilhões, o plano original prevê que a União repasse aos estados e municípios R$ 3,8 bilhões, fruto do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Outros recursos viriam de editais, chamadas públicas e apoios a iniciativas culturais. Estados e municípios também destinariam verbas como contrapartida ao montante de origem federal.
O objetivo é fomentar diversas políticas culturais centrais para formação de plateias, capacitação e treinamento de artistas, apoio a novas produções culturais e à manutenção de espaços culturais que se encontram fechados ou com dificuldades de funcionar em função do momento vivido.
Muitos novos projetos e iniciativas culturais poderão ganhar vida, garantindo assim um alívio à renda de quem vive da cultura e possibilitando que floresça a genialidade e a criatividade de artistas brasileiros.
Boa parte da nossa identidade como nação está expressa na rica diversidade das manifestações artísticas e culturais. Das mais tradicionais e arraigadas às mais modernas e vanguardistas, todas representam valores, crenças e transformações do nosso povo, seja na música, na dança, no cinema, no teatro, nas artes plásticas ou no humor. E é através da política cultural pública que se garante que as tradições do povo brasileiro sejam preservadas, valorizadas e expressas de forma democrática e livre.
Defender a cultura é, portanto, uma forma de afirmar a nossa identidade brasileira na sua grande diversidade, além da garantia de que a autonomia e a liberdade criativas, inclusive críticas, da classe artística sejam sempre um combustível saudável e alimente uma cidadania mais engajada e construtiva da nossa gente.
Em um país tão grande, multifacetado e desigual, são as expressões da cultura brasileira que nos dão a garantia de que pertencemos ao mesmo território, à mesma nação, apesar de nossas enormes diferenças.
Por essa razão, acompanharei com atenção a discussão e votação do PL Paulo Gustavo no Congresso Nacional com a expectativa de que vire lei. E convido a todos a fazerem o mesmo.
A nossa tarefa, no entanto, não termina com a aprovação do projeto. Será necessário também acompanhar, com redobrada atenção, a sanção do texto pelo Executivo. Somente a pressão da sociedade fará com que o Governo Federal se comprometa com este segmento.
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