No momento mais crítico para o setor, a Agência Nacional do Cinema paralisa fomento e quer atuar em violações de direitos autorais na internet
Fomentar a indústria audiovisual nacional e fiscalizar o cumprimento da Lei do Serviço de Acesso Condicionado, a Lei da TV Paga (Lei 12.465/2011), são as principais atribuições da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Entretanto, no momento mais crítico para a indústria do setor, em que o fomento teria um papel ainda mais central, a agência está paralisada. Como se não bastasse a incapacidade da Ancine de cumprir com suas responsabilidades legais, a agência ainda quer absorver novas funções e passar a receber e processar violações de direitos autorais na internet, além de combater a venda online de equipamentos do tipo “gatonet”.
O reforço ao fomento à produção audiovisual brasileira seria essencial para a indústria que é uma das mais afetadas pela pandemia. Mas a inércia da Agência levou o Ministério Público Federal (MPF) a questionar a aprovação de um único projeto em dez meses e a entrar com ação de improbidade administrativa contra os diretores e o procurador-chefe da Ancine. Atualmente, 782 projetos audiovisuais aprovados em editais de 2016, 2017 e 2018, lançados com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), estão paralisados. A agência acumula um passivo de quatro mil prestações de contas de projetos contemplados com recursos federais, que somam mais de R$ 4 bilhões.
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A agência também tem o dever legal de fiscalizar se as cotas de conteúdo nacional e de conteúdo nacional independente previstas em lei estão sendo cumpridas. No entanto, a estrutura para realização dessas atividades, então localizada na Cinemateca, em São Paulo, não está operando.
20 anos depois…
Quando foi criada, em 2001, a Ancine deveria fazer o detalhamento da operação prevista no art. 27 da Medida Provisória nº 2.228-1, que determina a permissão da exibição de obras financiadas com recursos públicos em escolas e canais educativos, comunitários, legislativos, entre outros. O uso de recursos audiovisuais seria um excelente apoio a educadores, pais e alunos em tempos de educação remota, por exemplo. Mas a Ancine ainda não apresentou sua proposta, apesar de ter apresentado um texto para consulta pública em setembro de 2020, após duas décadas de atraso.
PublicidadeÉ certo que as violações de direitos na Internet devem ser investigadas e as sanções adequadas aplicadas. O mesmo vale para o comércio de produtos ilegais. Mas essa deve ser a atribuição de uma agência que aparentemente não consegue dar conta de suas atuais funções, extremamente relevantes para a economia do audiovisual? E mais, diante de diversas violações de direitos em plataformas online e da venda ilegal de produtos, é a violação de direitos autorais a mais relevante e que merece ganhar uma estrutura pública específica para acompanhamento? Mesmo quando sabemos que os órgãos de investigação, por exemplo, de pedofilia online, carecem de recursos e pessoal?
Além disso, por que os agentes privados titulares dos direitos autorais (entre esses, muitas empresas multinacionais), com poder econômico relevante e equipes de advogados bem pagos, não podem buscar a Justiça para evitar que seus negócios sejam afetados por tais violações? Por que os escassos recursos públicos devem ser mobilizados em defesa dos interesses particulares de grandes agentes?
O deputado Tadeu Alencar (PSB-PE) protocolou, por sugestão de organizações da sociedade civil (incluindo o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social), um pedido de informação ao Ministério do Turismo para questionar a movimentação da Ancine de incorporar novas atribuições. O Requerimento 573/2021 foi aprovado pelo presidente da Câmara dos Deputados no último dia 13 de maio e despachado pela Secretaria no dia 17.
O fomento à indústria do audiovisual é fundamental para a garantia da liberdade de expressão e acesso à informação, especialmente sob a ótica de uma política de diversidade e pluralidade, como a que vinha sendo implementada pela Ancine até meados de 2019. A política de fomento nacional segue modelos internacionais de aplicação de recursos públicos em uma atividade que gera empregos e divisas.
O manifesto REMIX, assinado também pelo Intervozes, quer discutir direitos autorais, a regulação, as necessidades de proteção dos artistas ante o poder dos intermediários (os tradicionais e os novos) e, inclusive, a institucionalidade ligada à aplicação da legislação. Movimentos como o proposto pela Ancine vão na contramão de um debate amplo e cada vez mais necessário no país para garantir Justiça Social e redução das desigualdades.
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